O primeiro raio fende o horizonte dos faróis e a brisa que passa em fatias pela fresta do vidro do carro traz um hálito de folhas secas, sussurra a promessa de uma madrugada de chumbo. A escuridão engole o topo dos postes, o alto dos prédios, e tudo é velocidade na noite do Centro, tudo é risco de luz nas onze horas da Zona Sul. No entorpecimento de uma estranha sonolência, todas as coisas me chegam fugidias, todas elas girando através das sensações dissimuladas do desejo... e nada do que existe além da janela me esquece, nada dessas horas saturninas pode me encontrar em mim mesmo, pois tenho meus olhos vigiando cada esquina, cada faixa de pedestre, cada menina do Flamengo, e vendo ali desabrocharem as flores levemente azuladas da melancolia.
A cidade inteira arde em néons psicotrópicos, enquanto o corpo da noite retém em mim um cheiro de chuva. No rádio, a força na voz da Gal ergue o peso da hora que se arrasta, enquanto tudo fala sobre você e não me desmente, tudo me adivinha e anuncia que já sobre o colchão, entre um sono e outro, eu vou te arquitetar em pensamentos que me escorrerão pelas pálpebras, que me escaparão entre as mãos.
Diluída na noite das minhas saudades você é a própria noite, e o silêncio é um último respiro antes do mau tempo se abater gritando sobre as avenidas desertas, e transbordá-las da água e da densidade da sua ausência.
Mas me enganei... a chuva cai, e vem trazendo alívio no seu som...
E é tão bom porque, esse alívio, não sei se outra coisa, nem mesmo você, a essa hora me traria...
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