terça-feira, 28 de setembro de 2010

29


Amanheço no dia do meu
aniversário
(como amanheço em qualquer
dia) e as paredes brancas do
quarto são uma vertigem.

Ultimamente ando passando os
dias assim:
pela manhã
arquitetando vilanias no silêncio da cama
à tarde
achando lindas as famílias chinesas
das pastelarias
e quando anoitece
enumerando o nome dos amores que
tive em cada bairro no caminho de
volta do trabalho.

Agora tenho quase trinta e
toda essa pulsão de morte quase
só me deixa da infância as
saudades das salas de pediatria.

A filosofia e a poesia são exercícios vãos:
não respondem nada.
A bebida e o sexo as vezes
quase chegam a responder...
mas a vida é não haver resposta.

Os pêlos dos meus braços todos
cheirando esse cheiro acre de passado
esse cheiro de coisas velhas
amareladas
o mesmo cheiro dos livros encaixotados
me fazendo crer que também sou
feito de páginas.

E hoje aqui
na sala no quarto no banheiro
comemoro meus vinte e nove mil
anos de idade.
Sou a relíquia de uma civilização
que não quis existir
sou uma múmia chinchorra
uma tábua cuneiforme
um soldado de terracota
uma Vênus desmembrada
eu sou um menir solitário na
planície do mundo...

Um sol negro desponta no horizonte
desse vinte e dois de setembro e
vejo se criar um dia tenebroso.
Farejo o hálito de Saturno retornando com
a boca escancarada
(o Tempo devorando o que é corpo)
e eu sinto nessa efêmera manhã
do século XXI
o que sentiu Goya
a trezentos anos atrás
(em um vilarejo na Espanha)
enquanto encarava o seu Cronos.

Um comentário:

carolina disse...

feliz desaniversário.