quando no próximo ano
você ali não mais
estiver pequena poeta
eu sei:
vestígios do seu rosto ainda
permanecerão nas diagonais do
refeitório barulhento
teus olhos verdes (assustados e
impiedosos) ainda ecoarão
através das ruas soluçantes do
jardim botânico e seu cheiro de
tigre acuado continuará caindo na
chuva ácida que desintegra os
verdes escuros do parque lage
que desintegra a opacidade do
redentor (derretendo aqueles finais
de tarde de sombra e preguiça)
e talvez essa membrana invisível
da incomunicabilidade que
nos impede de cingirmos um
ao outro se torne um muro
concreto entre dois campos minados e
não haverá telefonemas ou redes
sociais que mitigarão isso:
pois entre nós
nem mais as palavras embrulhadas
em arame farpado haverão
não mais rodin e claudel não
mais batman e capitão américa: os
dias sem sabermos um do outro serão
uma outra espécie de brutalidade
uma outra espécie de flor
e
como convém ao tempo que tudo acabe
nunca mais ser tão jovem como você
e você tão antiga quanto eu
nunca mais trocar versos faíscas
e medos às 11 da noite
nunca
nunca mais os espelhos das camas pálidas
e sobretudo o fim:
o sol vermelho lento da barra da
tijuca ou a ameaça de tempestade
no jardim botânico nos mandando
diluídos de volta pra casa
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