o último ônibus chega sem perceber que um corpo dormente
sobe os degraus,
passa pela roleta sem som algum, onde nada está ali.
decifro o meu futuro entre linhas de metrô, guerreando
dentro de em um mundo onde tudo é vão, mas evito pensar nisso,
a rua agora recende a uma memória que se esforça pra não ser:
ela dará espaço a outro caminho onde trabalharei
cansadamente
como foi tudo nesta vida: entre o sono e o desejo.
não me pertencerão mais estes caminhos suaves, estas horas
enroladas em papel cartão.
não.
não serão minhas as tentativas de adivinhar em qual altura
do leblon tu abandonarás estes ônibus vândalos.
mas por agora basta o adeus.
adeus ao deserto da lagoa sob a chuva, tu serás apenas
trajeto de dias escassos.
adeus a beleza absurda da cabeleira encaracolada, que fugia
da vista como
um fantasma sorridente.
até mais banksy, kusama, oiticica, voltarei a falar de vós a
olhos tão ávidos?
até logo juventude olimpicamente bonita, não poderei perder
teus sorrisos nunca mais, eu que quis ser jovem verdadeiramente e estar entre vós.
adeus aos teus bombardeios aéreos, a invasão da normandia, e
teus traços de
musa almodovariana. ingmar bergman acena e também te deseja adeus.
adeus aos cafés, as vitaminas solitárias, e meu corpo magnificamente
pesado,
a minha flanerie socialmente camuflada sob o sol esforçado.
adeus as geometrias dos corredores entardecidos onde meus
olhos re-
pousavam. serão
outros, mais distantes, os corredores agora.
adeus a minha anna karienina e aos nossos crimes de amor
platonicamente esotéricos em lumiar,
tivemos um filho e vivemos nus no futuro que não será.
mas adeus novamente a minha anna karienina (logo me
esquecerá).
adeus as calhordices academicamente matutinas as quais eu
não
pertenço e que me faziam querer chorar, mas hoje, delas, só
posso rir.
adeus aos abraços, gritos e correrias que me abandonavam
ainda mais
tímido, adeus as suas vozes me chamando insistentemente.
adeus aos beijos interrompidos do tigre enfurecido no parque
lage, a tua juventude desorientada secou a nossa chuva, ruiu o nosso cristo, e
eu previ e você não acreditou.
mas isso não importa mais, pois agora adeus parque lage, adeus
tigre enfurecido.
adeus sono sem sonhos após o almoço (o cheiro de couro velho
do sofá).
adeus professora tatuada e seus truques com facas, tu que me
ensinou a dança da morte em camas cheias de sol, adeus.
adeus rebouças, homem negro, túnel negro, e suas babás
negras que iam e voltavam por dentro de ti.
destas manhãs e tardes torno estes versos um poema em
carne viva,
pois será difícil voltar a amar e odiar como amei e odiei os
teus dias, teus
pátios, tuas salas.
este poema é uma ode e uma elegia, como o é um filme
expressionista alemão
abarrotado de sombras, monstros e musas pálidas.
este poema é o vestígio de um devaneio cuja idade não me
permitirá
mais cometer sob a chuva negra e vermelha dos abajures
enfraquecidos.
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