Na madrugada de Domingo, dentre todas aquelas escrotices costumeiras da televisão, algo veio p’ra mim atingindo em cheio no ponto cego da minha morosa estabilidade emocional: no filme pornográfico a loura tem os cabelos dela, e reparando direito... a bunda é dela também. Mas nem pensei em ficar excitado, fiz foi embolar alguma coisa no peito, acho que foram uns enormes tufos de saudade. Apaguei tudo o que ainda era luz na casa e fui p’ra cama esculpi-la em inefáveis pensamentos, pintar a madrugada em tons azuis de alguma tarde ilusiva, alguma tarde que não tivemos. Mas não era ainda dono do sono e quis me embalar no rádio de pilha, e a música que tocava na hora a trouxe com tamanho ímpeto implosivo, que para meu corpo não combustionar sobre o colchão, tive que refazer meus planos. Voltei à sala, reacendi a luz, e por conta das mesmas baboseiras intermináveis na televisão, tive de escrever.
Hoje em dia as saudades dela andam tão raras, que quando chegam, chegam fulminantes. Antes elas me atingiam um pouquinho a cada dia, agora chegam a se acumular durante até uma semana, só para fazerem derradeiros e destrutivos ataques surpresa. Elas espreitam nas esquinas do meu sossego até que surja algum gatilho para dispará-las: uma canção no rádio, um carro igual ao dela, o ônibus que passa em sua rua, a loura do filme pornô...
Ela é a prática da Teoria do Caos, invadindo a beleza do dia, desordenando e enlouquecendo as pequenas coisas do Destino. E agora que ela bateu tão forte mais uma vez, como vou conseguir dormir com essa sensação de há tempos não estar mais aqui? Porque na lembrança daquela noite abafada, quando fui homem e enfrentei o mar, eu me perdi. Porque no quarto dela tão pequeno eu enfrentei o seu corpo branco e imenso, e me perdi de tantos caminhos cruciais...
Desligo a TV, porque já não agüento mais tanta merda no monitor e nessa folha de papel. Hoje não vou para a cama, vou ficando escorrido pelo sofá mesmo, me decompondo, sob as cobertas com medo dos barulhos que vem da cozinha. Amanhã preciso lembrar de fazer existir uma garrafa de vinho na geladeira p’ra servir de muletas em momentos como esse. Mas e daí se não há vinho? Recriá-la no sono sempre me embriaga de uma forma ou de outra...
Não quero nem saber do radinho e seus locutores insones, escrever me acalmou um pouco, e a última coisa que eu preciso agora é de mais outra música traiçoeira. E até adormecer realmente vou lembrando dela assim meio triste, como o fogo na cidade, que na saudade da floresta, incendeia papel vegetal.