quinta-feira, 28 de maio de 2009

Mona Lisa Overdrive (um sonetinho romântico)


Baixaste aos infernos Mona Lisa,
Com Da Vinci no fogo a arder,
Os demônios teus seios a morder,
Tuas fantasias, Satanás as realiza!

Este teu sorriso agora idealiza
Algo que ninguém pode conceber,
Como se fosse Mefistófeles a lamber
O gozo que escorre na tua coxa lisa!

Agora és prostituta no Inferno,
Putinha de Lúcifer, o Eterno,
Serei um dia também teu amante?

Reflete o Hades tuas íris escuras
Dançam contigo inferiores criaturas
Vadia-mor do abismo flamejante!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Segundas


Hoje eu pensei que esse ano,
depois que o carnaval acabou,
parece que a vida anda estagnada.
Essa segunda-feira me apareceu descolorida e lenta,
os barracos sobre a linha de trem planavam,
soltos no ar, leves e desabitados.
Os meus olhos indecisos entre a bunda da advogada,
ou o seu gesto de levar o cigarro à boca,
só encontram desinteresse no vermelho irreal
das bochechas da adolescente no ônibus do lado.

E agora aqui, do alto do prédio,
eu vejo lá embaixo o movimento veloz,
mas que não chega aqui em cima,
o movimento que não vem até mim e não me toma.
Lá embaixo pulsa tudo quanto é pensamento e preocupação,
tudo quanto é amor e ódio...
pelas ruas do Centro concorre tudo que é rápido e lento,
o perfume da secretária abraçado ao cheiro do indigente
que dorme sobre a essência de um milhão de mijos.

Tudo vive e morre,
de segunda a sexta,
entre a Cidade Nova e a Praça XV,
durante o horário comercial.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Maiêutica


Na minha ultrasonografia
o feto tinha o formato de
um pensamento.
Eu portanto
estava grávido de memória
iria parir
um cogito ergo sum!

Quando eu menos esperava
as dores e contrações
chegaram
e teve de ser cesariana sem
anestesia
porque o pensamento quando
nasce vem rasgando e
logra fazer a gente sangrar

Dei luz a uma criança
maior que eu e
que veio ao mundo de
olhos fechados e em silêncio.

Chorei por mais esse
parto precoce
que aborta de mim um
filho sem pai e natimorto...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Pietá


Para minha avó morta

Quanto tempo faz que não vejo o seu rosto?
Quanto tempo faz que você não se lembra do meu?
Seremos só lembrança um do outro então:
você que já se foi,
eu que ainda ando desvanecendo por aqui...

Os carnavais na janela alta do apartamento,
o chiado das batatas na frigideira,
os gongolôs enrolados pelas frestas úmidas do quintal,
a escalada da alta ladeira de um São Cristóvão que parece nem existir mais...

Eu que nasci inferior, nasci homem,
nunca poderei saber da glória triste de ser mater dolorosa.
E não que eu creia em qualquer metafísica,
e não que eu possa merecer,
mas que a força do seu amor espreite o pobre Luisinho,
que você nunca soube carregar uma trôpega alma por esta vida.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Velho Samba


O senhor negro no
Clube dos Democráticos
sozinho numa mesa do canto
com suas roupas e sapatos
de antigo boêmio não
passa de um romântico cheio
de cerveja na cara.
Tentando tirar as meninas pra
dançar eu vejo uma a uma
declinar...
já não há mais lugar para ele ali
vivendo em outro tempo que
não mais esse.

Mas é tão bonito em seu
anacronismo aquele senhor
bonito e muito triste também
como se fosse a carnação de
um velho samba-canção.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Manhã de Maio


Bela manhã
chuva e sol
juntos.
No azul encimado por cinza
o avião brilha tão
branco que embaça de
tanta claridade.

No topo de uma antena sob
a envelhecida linha de trem
um urubu de asas estendidas
recebendo o afago da chuva:
um vulto negro maculando
os nuances plúmbeos como
se quisesse lançar uma benção
maldita sobre o mundo.

Um imponente espírito das
coisas podres que dentro do
chuvisco frio
do alto de sua esquelética
torre de alumínio parece
uma gárgula preta a afrontar o sol.

domingo, 10 de maio de 2009

O Rei dos Animais


O homem velho na Estrada
do Mato Alto será
que conhece o Centro?
Será que ainda se lembra dele?
Desse outro lugar que
pulsa em outro ritmo
que fervilha outras vidas
(que as vezes nem parece vida...).

O homem velho na Estrada
do Mato Alto
humilde
não conheceu o mundo e
nem vai conhecer novas pessoas
porque o homem velho nasceu
e vai morrer no
mesmo lugar.

Como pode o homem velho
viver tudo só
nesse pequenino universo?
Vida mínima de estrada e
de carroça
sem saber dos computadores e
dos prédios e dos carros e
das meninas e das bebidas nas
baladas da realidade distante.

Será feliz assim o homem velho?
sempre pobre sempre humilde
no mundo quase sem estar no
mundo
vivendo sem estar em outros instantes.

E depois de morrer terá o
homem velho alguma fotografia
envelhecida e mofada na sua
mesa ou na sua parede ou
será que depois que se for nem isso
nem lembrança?

Porque existe então o homem velho?
Onde existirá agora além daqui
inscrito no corpo deste poema?

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Belo de Caeiro


Só os insensíveis não julgam pelas aparências.
-Oscar Wilde
Quantos nunca me entenderam por
preferir a aparência a
funcionalidade das coisas?
quantos me acharam ignóbil por
dizer que preferiria uma
mulher burra e bonita que
uma feia e inteligente?
Cegos para a verdade do mundo
aqueles que me condenaram por
ser um esteta.

Porque personalidade pensamentos e
sentimentos não passam de
especulação.
Prefiro a pele das coisas porque
a verdade está no que eu vejo.
O que existe concretamente é
o corpo e a superfície das coisas.
E é isso que me atinge e
é isso que eu exalto.
O resto é pura metafísica.

Os animais e as plantas são
superiores a nós porque
os animais e as plantas
não sabem do que não vêem.
Os animais e as plantas não
vêem uma personalidade ou
um sentimento ou
um pensamento.
Por isso eles são puros e bons.

O homem quase nunca é puro e bom.
Porque o homem insiste hipocritamente em
dar mais valor a
personalidade ou
a um sentimento ou
a um pensamento.

O homem só é puro e bom
como quando admira as estrelas e
as flores por sua beleza.
Mas ele esquece que as
estrelas e as flores são
apenas estrelas e flores.
As estrelas e as flores não tem
personalidade ou sentimentos ou
pensamentos.
As estrelas e as flores não
servem pra nada.
Mas as estrelas e as flores são
muito caras e muito
admiradas pelos homens só
pelo seu exterior.
Só por serem belas e
só por isso e nada mais.

Os homens deveriam ter
assim com tudo.
Porque isso sim é divino
porque isso é a essência última
do existir:
louvar o que é por fora porque
o que há por dentro não há.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Fogo



Na madrugada de Domingo, dentre todas aquelas escrotices costumeiras da televisão, algo veio p’ra mim atingindo em cheio no ponto cego da minha morosa estabilidade emocional: no filme pornográfico a loura tem os cabelos dela, e reparando direito... a bunda é dela também. Mas nem pensei em ficar excitado, fiz foi embolar alguma coisa no peito, acho que foram uns enormes tufos de saudade. Apaguei tudo o que ainda era luz na casa e fui p’ra cama esculpi-la em inefáveis pensamentos, pintar a madrugada em tons azuis de alguma tarde ilusiva, alguma tarde que não tivemos. Mas não era ainda dono do sono e quis me embalar no rádio de pilha, e a música que tocava na hora a trouxe com tamanho ímpeto implosivo, que para meu corpo não combustionar sobre o colchão, tive que refazer meus planos. Voltei à sala, reacendi a luz, e por conta das mesmas baboseiras intermináveis na televisão, tive de escrever.
Hoje em dia as saudades dela andam tão raras, que quando chegam, chegam fulminantes. Antes elas me atingiam um pouquinho a cada dia, agora chegam a se acumular durante até uma semana, só para fazerem derradeiros e destrutivos ataques surpresa. Elas espreitam nas esquinas do meu sossego até que surja algum gatilho para dispará-las: uma canção no rádio, um carro igual ao dela, o ônibus que passa em sua rua, a loura do filme pornô...
Ela é a prática da Teoria do Caos, invadindo a beleza do dia, desordenando e enlouquecendo as pequenas coisas do Destino. E agora que ela bateu tão forte mais uma vez, como vou conseguir dormir com essa sensação de há tempos não estar mais aqui? Porque na lembrança daquela noite abafada, quando fui homem e enfrentei o mar, eu me perdi. Porque no quarto dela tão pequeno eu enfrentei o seu corpo branco e imenso, e me perdi de tantos caminhos cruciais...
Desligo a TV, porque já não agüento mais tanta merda no monitor e nessa folha de papel. Hoje não vou para a cama, vou ficando escorrido pelo sofá mesmo, me decompondo, sob as cobertas com medo dos barulhos que vem da cozinha. Amanhã preciso lembrar de fazer existir uma garrafa de vinho na geladeira p’ra servir de muletas em momentos como esse. Mas e daí se não há vinho? Recriá-la no sono sempre me embriaga de uma forma ou de outra...
Não quero nem saber do radinho e seus locutores insones, escrever me acalmou um pouco, e a última coisa que eu preciso agora é de mais outra música traiçoeira. E até adormecer realmente vou lembrando dela assim meio triste, como o fogo na cidade, que na saudade da floresta, incendeia papel vegetal.