quarta-feira, 12 de maio de 2010

Velha Mendiga


Eis ali a velha mendiga:
a pele da cor do jornal amarelado
da textura do papel amassado
onde se destacam os olhos verdes:
uma figura esquálida e ensimesmada
que dentre seus trapos
é toda seus olhos verdes.

Na sua imobilidade
(inércia de quem é triste
de quem tem fome)
ela é pièce de résistance
dentro do movimento que faz
existir a rua 7 de Setembro.

Como chegou até ali?
Teve infância aquela senhora e
já brincou no quintal feliz com
seus sapatinhos novos?
Já ganhou afago de mãe?
Saiu na porrada com a irmã mais velha?
Na juventude ela teve um
primeiro namorado?
Ou nos bailes e festas da escola
levou a ruína alguns corações?
(não duvido com aqueles olhos
com aquela cabeleira clara)

Pra quem vai e pra quem vem
na correria do trabalho
nos afazeres das compras no Centro
aquela senhora não existe
é um espectro arcaico da cidade.
Mas ali sentada e soturna
emergindo dos seus panos sujos
ela se ergue absoluta dentro da
vertigem do dia comercial.

Só o olhar do poeta pode saber:
Aquela é uma rainha caída.

Um comentário:

Marcos Vidal disse...

Luiz,
esse retrato esquálido dessa "rainha caída" tomou-me de assalto. O olhar do poeta que percebe beleza onde nada existe, torna evidente o que não é.
A sua poesia, de instantes da cidade, apreende quadros absurdamente singelos e retumbantes de seres fragmentados como o dessa mulher,camuflada de nada ser.

Bom demais!!!

Vidal