o sol da manhã me
lembra de quando
éramos jovens e bebíamos
cicuta nas clavículas das
ruas bombardeadas de
neon e amônia
acordo e me pergunto:
porque tudo existe?
existiu? existirá?
mas você não deveria
me dar ouvidos ma
petit:
tudo é só porque ando triste
sabe?
assim como um pneu de
automóvel que
após o acidente
rola sozinho
solto
e desaba no acostamento diante
dos olhos de um cão perdido
que é ainda mais triste e
é ainda mais eu
tudo me violenta e me indefine
e uma delicada saudade fúcsia
elucida que a falta de
dinheiro é transitório mas
a falta de amor pode cobrir
de resina os dias mais afetivos
e
os muros grafitados e as
linhas de trem e os
viadutos ululam gritos de
guerra como bárbaros nos
portões das casas onde
eu poderia me travestir de
velhas portuguesas preparando
ceias de natal em panos
de prato bucólicos
lapa
praia da barra
pedra do sal
jantares com amigas lésbicas
manequins destruídos
em puteiros novelescos
e
sobretudo
toda essa chuva por dentro e por fora
não dizem mais as
coxas e bundas veraneias
desferindo o carinho dos punhais
não dizem mais o apartamento
silencioso onde houve dias-jardim
mas pelo menos por agora
querida
não quero que me veja
aqui nesse quarto: como
um homem-elefante
tirando o pó das estantes e
escavando memórias dentro
das camaras escuras das gavetas
ancestrais
pois
ainda que haja a poesia
a minha a sua
aquelas escritas a quatro mãos
nos berços úmidos da humanidade
ainda que haja essa
luz e suas grandes áreas de sombra
essa liberdade doída diz que
em janeiro poderemos voltar
a tocar de leve na carne da alegria e
secretamente
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