domingo, 28 de abril de 2013

vinteequatro por segundo



morde a maçã branca de
neve mas teus olhos de
limo denunciam a soberba das
bandeirinhas coloridas que
acimam a cabeças das
babás pretas com uniformes
brancos e suas crianças brancas

o resto é rasto é rasgo no
perfume que fica na manhã de
domingo onde o centro da
cidade respira quieto e esconde os
salões escuros onde repousam
fotografias em preto e branco como
torres de alquimistas cegos

e

por falar em alquimia me
veio agora a lembrança dos
bailes funk da vila da penha que
nada mais eram laboratórios
alquímicos onde joãogabrielluis
descobriram a pedra filosofal na
fórmula das cervejas baratas
“na quatro por quatro a gente zoa
whisky e red bull e eu aqui a toa
o pau ficando dur...”

mas desfaço essa elucubração quando
as duas mocinhas se beijando no
hall do museu lançam uma granada de
fragmentação certeiramente dentro
da trincheira que construí a unha
entre escombros e sensibilidades

se morresse na explosão haveria
bandeira para enrolar meu cadáver na
volta pro meu país? haveria país?

na rua inodora o sol espeta o rosto com
mil agulhas e torna tudo em acrílico como
nas tvs de led que mostram as praças da
europa em full high definition e lançam
uma nostalgia do que não se viveu

e

já no meio do dia do bairro de
fátima uma bebida sozinho no
bar mais sujo serve como predição do
futuro enquanto nelson cavaquinho
agoniza em cima das mesas e
dentro dos sujos copos adamantinos um
quadro mofado de di cavalcanti me
me retribui o sorriso que lanço a ele

mas

o flerte com a puta pintada no quadro do
di se quebra quando o telefone toca e é
outraputa (dessa vez de carne e osso) com
quem poderia sanar essa minha
solidão dominical mas digo a ela que
hoje prefiro a companhia das faixas de
pedestre que prefiro ouvir a nessum
dorma das árvores da praça mahatma
gandhi enquanto o 247 passeio-méier
dorme docemente como os dormem
os mendigos salpicados de ultravioleta

moleques de rua espreitam as máquinas
fotográficas dos turistas japoneses que
tem um sorriso colado nas faces cor
de cremogema ralo sabor tradicional
enquanto penso que um único
amor pra vida toda é uma renúncia e
toda renúncia é prenhe de nobreza

no entanto

a nobreza de um homem nasce no
sangue e eu sempre tive sangue de
poeta vadio e sujo e doce que
desfia a renda dos ventos sudoestes no
cheiro de sexo que exala por baixo da
textura colorida das saias nas calçadas

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