Ninguém pode supor quando é
parido o poema.
O parto de uma criança
se mostra nos gritos da mãe
mas a dor do poema se dá no silêncio
(os cães levantam as orelhas
os passarinhos levantam vôo:
os animais ouvem o estampido que o
poema faz ao nascer)
E o que poucos sabem é que ele
assim como as crianças
pode ser gerado em qualquer lugar:
nas ruas de uma tarde esquecida na cidade
no hermético de um quarto do subúrbio
no cheiro de cigarro e buceta de
um salão de puteiro no Centro
numa noite praieira de verão na Califórnia
numa prisão de neve em uma planície russa.
E o poema
sem ninguém perceber
crescerá.
E os versos
que nasceram pra ser livres
irão correr o mundo afora
sem assinatura
sem pai
sem dono
sem freios
vão assim como os homens
fazer parte da velocidade do cotidiano
da vertigem da televisão
do sufoco das horas de escritório.
E
vez em quando
terá encontros com aquelas mulheres
por quem dirá
que os olhos são estrelas
que o hálito é jasmim
que os cabelos são como as ondas do mar
(o poema é malandro
sabe que as mulheres se derretem
nesses clichês)
mas uma hora o infeliz do poema vai
bater de frente com um marido ciumento...
e é aí que ele vai dançar!
O cara encherá o poema de balas
(caberá balas no corpo do poema?)
E numa esquina qualquer
o poema se esvairá lentamente
agonizando quieto como veio ao mundo.
Resignado ele dá seu ultimo suspiro
(alguns são todos feitos de suspiros)
e os transeuntes na calçada passarão
por cima do seu corpo:
o poema não merece atenção de quem
vai ou volta apressado dos afazeres diários.
Só quando o poema começar a feder
quando ele começar a incomodar
a polícia vai chegar e
cobrir de jornais o corpo
vai revestir a poesia de reportagens.
E sem pai nem mãe
sem parentes próximos ou
primos de terceiro grau
o corpo não poderá ser identificado.
O cadáver vai ser doado pra alguma
faculdade de medicina:
vão esquartejar o poema
vão dissecá-lo inteiro.
Quem sabe no corpo do poema não
descubram uma nova vacina?
A cura pro câncer ou apenas
pro anestesiamento do dia-a-dia.
(pelo menos nesse final poderão
dizer que ele serve pra alguma coisa)
A morte do poema
não vai merecer nem uma breve
nota no Jornal Nacional.
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