dizer não ao
cotidiano, querer os dias do caixeiro viajante.
a pele incorruptível das
mulheres da gávea.
aquele rosto eurocêntrico
de 20 anos atrás
cindindo, hoje, a
impiedade das avenidas.
o rosto, outro rosto,
que envelhecerá comigo
através dos
tempos burgueses.
a noite da zona sul, a
neblina que não existe
dentre os prédios, invadindo
as lanchonetes.
a tua voz grave me
encorajando os pulsos cortados,
ou os faróis de
santa rosa anoitecendo outro mundo.
a lapa (ah a rua da
lapa), a cerveja, a urina
(fridas kahlos dentro
da urina).
o encontro súbito, a
solidão
do televisor.
os cartazes dos bailes
funk em madureira convidando
aos velhos crimes
embebidos em álcool e vagina.
acordar cedo, a caneca
de café
com leite,
um artigo sobre
fellini no incansável monitor.
estar em cada gesto de
mão
que acaricia,
de lado a lado, esta
lua rubra.
derramar absurdos sobre
a cidade me faria feliz.
as pastelarias
encardidas, as manhãs mansas de pequim,
o toque dos dedos e
dos olhos da mulher chinesa.
tão perto,
mas não
aqui: na distância só posso te intuir:
nas músicas
que passaram, todas as outras que virão.
me perdendo em fábricas
noturnas, casas abandonadas,
prédios de
um século,
quintais praieiros, e na geografia
errante dos teus braços.
bares de esquina,
igrejas escuras sob a manhã.
a cidade a noite: um
seurat de neon e led.
na cidade nada nos
choca, nem a violência e
nem o amor: na cidade
os dois se confundem.
as entranhas do subúrbio, vísceras
do concreto mofado.
tu caminha, a pele
limpa nestas calçadas sujas,
o teu cabelo num
movimento pendular trazem,
como num enigma zen, saudades
do que não
se viveu.
mini shorts, minissaias,
a brisa evola o cheiro
de sexo perfumado por
urina e lycra.
helenas sob a luz de
necrotério
do metrô,
ou ainda sob o sol high definition de janeiro.
o anjo de klee, com
sua cabeça
torcida, bate suas asas
sobre estes dias do
longe, e sente tristeza.
a meia luz quando
anoitece, o odor lento
do piso de madeira, o
tic tac do relógio incansável,
os quartos do
apartamento na memória infantil.
as luzes de poeira e
xenon de dentro
do teu carro pelas
noites de sonho
(laranjeiras pulsa
ainda que adormecendo).
blusa rasgada, barba
por fazer, no bolso
alguns trocados, e teus
convites querendo me
fazer bordar uma lágrima.
a vida se encurta em
tempo e espaço, e eu
sou o grande charlatão, o
amante,
o assassino de mim e
do outro:
e este é um
poema para quando não mais houver.
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