segunda-feira, 7 de junho de 2010

Cinco Minúsculas Elucubrações Sobre a Vida e a Morte


I
Terça-feira.
Chuva e frio.
A janela do ônibus impõe
o meu reflexo pra não
me deixar esquecer que existo.
E assim eu me vejo:
magro
esfaimado
diáfano:
um fantasma no qual a
paisagem passa através.
Eu quis ser o reflexo
(e não o serei verdadeiramente?)
pois aqui nesse corpo de
carne-e-osso
sangue e vísceras
nada passa.
Absolutamente tudo se detém.
E quem além do meu coração
saberá o quanto isso pesa?

II
Hoje um colega no trabalho
me disse espontaneamente:
Você tem cara de quem gosta de chuva!
Me assustei...
Ele quase pôde adivinhar que
eu sou o próprio deus da chuva.

III
A luz da estação de trem de Anchieta
cinza
agonizante
sobre o concreto da plataforma vazia
é a iluminação de um necrotério.

No vidro escuro do carro ao lado
se foto-grafa em verde fosforescente
a placa do meu ônibus:
723- Cascadura/Mariópolis.

Ao menos isso me traz
algum senso de destino.

IV
Lendo os filetes finos
de água que escorrem nas
janelas dos carros
vou sentindo que
em noites como essa
-quando não há ninguém sabendo-
a chuva adormece as ruas e
em intervalos regulares
oblitera o meu corpo inteiro.

V
Já dentro de casa
-copo de café-com-leite na mão-
olho em volta:
as fotografias
o colchão
o computador
os livros
as gavetas.

Olho em volta
olho dentro de mim
e
não acho nada.

Um comentário:

Joana Rabelo disse...

Como você se tornou imenso?