terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Poema de Ano Novo


Um ano a mais é carregar um peso a mais...
Minha vontade já não consegue
mais se entregar a qualquer demonstração
de furor juvenil.
Quase nunca me dou a alegria de simplesmente dançar,
sou uma criaturinha forrada de jardins agridoces,
e tenho irrigado o meu DNA com chaves de ouro
de poetas malditos.

E na língua que espiralava em outra boca,
e nas mãos que seguravam um outro rosto,
eu vislumbrei um triste e bonito deja vu...
e invernei saudades do sabor alcoólico do perfume
que eu lambia da sua pele,
e convulsionei na falta do nosso sexo ardendo inseparáveis
dentro da alma da noite.
E se desejei outros corpos sob a chuva,
foi porque não acredito mais em deuses do amor...
e nem em nós dois.

Os fogos de artifício estouraram mudos
nos ouvidos do ano que morria,
champagnes arautos de alguma centelha fugaz
de alegria verdadeira,
e meus amigos unidos a rostos estranhos
se dando a permissão de serem felizes aquela noite ao menos.

E voltei p’ra casa na chuva incessante
do dia que se esforçava p’ra sangrar alguma primeira luz,
e fui dormir atado aos intrincados mecanismos
do meu pensamento.
No primeiro dia do novo ano,
não sei porque,
me alvoreceu uma melancolia repentina e doída,
que celebrei fazendo de um CD do Caetano
uma liturgia pagã entoada em sua honra!


(Nas primeiras horas de 2007)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

24 de Dezembro




No Centro em dia de Natal
estão presente todos os sons:
passos de sandália
folhas caindo
outdoor elétrico.

O Centro em dia de Natal
é tão ausente de movimento,
que descubro o bem-estar de uma
solidão ao me sentir ser o
único sobrevivente em meio ao
silêncio de uma cidade pós-apocalíptica.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Desejo como Coisa-Em-Si do Mundo(Ou Poema Para um Filósofo Alemão do Século XIX)


Basta a aparição de uma beleza
assaltar o meu olho
que eu me torno inteiro olho.
E então o desejo se ergue imponente
e rufla as asas e
estufa o peito e se lança com a
velocidade de uma flecha sobre o alvo.
Mas a milímetros de tocar a pele da coisa
ele se detém!
E suavemente qual um lençol ele
se estende e acoberta lentamente
o objeto contemplado...

É um momento de solidão o
que se revela
pois eu sou só com tudo o que vejo...
E é no silêncio do instante que eu percebo que
apenas existimos na coisa que desejamos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Singelo Poemeto



Para um primeiro amor que nunca vai lê-lo



Eu tinha 13 anos e o nome dela era Mirna.
Não sei porque sempre achei que
esse nome combinava com os seus olhos verdes.
Naquela época as meninas dessa idade
não eram essas mini-mulheres de
hoje em dia
elas eram mais parecidas conosco
os moleques
(até seu cabelo curto era de menino).

E foi com ela a primeira vez que tive febre
(nunca poderia supor que passaria
pela vida desde então sentindo uma
febre atrás da outra).
Mas eu era uma criança ainda e não
sabia o que era aquilo
achei que a morte se anunciava em cada coisa
-quando ainda não se entende o conceito
de amor é que sabemos que a sensação
dele é quase igual ao da morte-
mas a verdade é que pra mim a Mirna sofria
de um excesso de beleza que alimentava a
fome do meu olho e roubava a
fome do meu estômago.

Lembro da vez em que roubei sua borracha
e ela mordeu minha mão para
tê-la de volta e eu me apaixonei pelo gesto
e me encantei com o cheiro da sua
saliva nos meus dedos:
eu ainda não sabia o que era aquilo.
E quando nos escondendo no quartinho de entulhos
ela me deu um beijo e saiu correndo
e eu morri e voltei e morri e voltei
um animalzinho paralisado e tremendo de medo:
eu ainda não sabia o que era aquilo.
Mas quando no último dia eu olhei do portão
sua mãe a levando embora pela mão
até a esquina que a fez sumir
que eu conheci a indescritível sensação do
que é perder alguém no mundo...
e só aí então eu soube o que era aquilo:
só tive a ciência do que era amor depois do primeiro adeus.

Mas isso foi a 15 anos atrás e
de lá pra cá nunca mais pude supô-la...
só que nessa lenta noite de outubro me
veio uma vontade irresistível de apenas
saber se ela ainda está viva
se ela ainda está bonita e se é feliz.
Mas no amargo da impossibilidade só me
resta parir esse poema como se fosse uma prece:
um desejo absoluto que esteja
onde estiver ela possa dormir dentro
de um moroso acalento bom
e que estranhando a sensação da hora
ela nunca sequer imaginará que eu descobri
que desde a minha infância ela deixou
um sentimento escondido aqui
essa matéria-prima que empresta
força a esse poema feito para
ao menos por essa noite
guardá-la de qualquer cansaço da vida.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Do Adeus


Para o que se amou e partiu
não se dá adeus uma única vez
o adeus é quase um exercício diário:
cada lembrança cada poema para o
que se amou e partiu
é um novo adeus.

Eu passo pelos dias dando adeuses.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O Zahir


Uma fotografia cortada e
desfocada do seu sorriso:
uma fotografia mal tirada é
o que ficou.

Esse sorriso que vez ou outra
quando eu encontro em
uma estrela de cinema americano
me golpeia por dentro com
punhos de boxeador.

Sinto que o que ficou impresso no
suporte fotográfico também
se gravou ad eternum na
substância retiniana do meu coração.
olha galega é que a primeira vez que me apresentaram ao seu sorriso eu mal podia imaginar que você viria a ser a minha fermina daza, a minha lou salomé com chicotinho, a minha elektra natchios com adagas sai, a minha intocada delgadina, a minha indistinta jeanne duval, os ossos da minha beatriz viterbo, a minha shabart gula na fotografia. e só posso lembrar e achar lindo, lindo e triste, de quando eu te perguntava porque você sempre dava pra trás na hora agá, e aí você ria aquele riso que era só seu, aquele abrir de lábios e mostrar de dentes que era uma arte, artifício, artimanha, que só você sabia fazer e que só servia pra anunciar a sua confissão triunfante: de que o maior prazer na sua vida era me provocar.
Para Arnaldo Antunes