segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quatro de Setembro (ou minha Ceres)


Em carne e osso se tornou a filha da estação,
do sonho se fez existir na realidade do vida,
p’ra espalhar nos lugares tristes o seu frescor de primavera.
Eu a olho e meu olho vê as cores de um vitral vivo,
o suave de cada gesto fluindo pelas ruas,
vivificando as paisagens urbanas de setembro,
derramando seus jardins pelos espaços descoloridos da cidade.
Eu a olho e meu olho a vê caminhando de leve por entre as flores,
o seu sorriso flutuando aberto entre os arranjos,
seguindo lento,
e desabrochando as orquídeas que explodem seus tons,
como se seus lábios fossem as pétalas da flor primeira,
a mãe da natureza,
aquela que anuncia as outras
que é chegada a hora de florescer uma vez mais.
E a partir de então,
todas as frestas do dia pulsam devagarzinho
respirando fortemente a ela,
e se hoje isso aqui anda estranhamente mais bonito,
é porque ela assim o quis...
é porque ao pôr os pés aqui,
ela deixou um pouquinho da sua beleza
guardada em tudo o que há de mais admirável no mundo.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Setembro Despetalado


Depois dela haverá possibilidade
de se crer na perenidade do amor?
É certo que não.
Pois agora a minha herança são essas músicas,
que preenchem de forma imperfeita os vãos onde me encolho.
Pétala por pétala, cada hora triste se destaca da flor do dia,
e plana devargazinho até cair ao chão.
E murcha.
Todas as coisas junto.
A primavera veste a pele de um novo inverno,
esse será um ano de dois invernos...
porque, e sobretudo porque,
meu espelho só reflete uma metade agora,
no colchão, a fração que eu sou rola sozinha,
sem cheiro, sem calor, sem cabelos,
pra me abrigar da solidão que nos vem quando é chegada a hora de dormir.
Se ao menos o que se viveu junto não se desmanchasse facilmente,
e pudesse pesar na hora da decisão dela partir,
se ao menos a saudade que ela diz se dona não fosse tão diluída,
fosse de um tamanho suficiente pra fazer ela querer um pouco mais a mim...
mas só o que se descortina é algo incompreensível:
é uma metade querendo ficar distante da que lhe completa,
e essa metade que aqui ficou,
de lá p’ra cá no mundo novamente,
em dias vazios, dias sem espera,
esperando encontrar o sorriso da outra parte
em qualquer banco de ônibus sobre a Guanabara,
ou numa sala de cinema antiga do Centro,
ou ainda brotando de um leito de orquídeas
sob o sol tépido de uma feliz manhã de sábado...

Dendrobium Nobile


A primeira vez que nos vimos foi como se fosse um estranho reencontro, foi como se em cada segundo da aparição dela eu achasse, e achasse, e achasse infinitamente, o que andava por aí procurando sem saber mesmo o que era. E, naquele instante, foi como se se instaurasse um bonito paradoxo, onde tudo ganhava e perdia sentido, era como se o encantamento que exalava dela se impregnasse nas coisas, seguisse seus rastros, e habitasse por todo o tempo o lugar onde ela resolvesse ficar. Enxergava que, cada um a seu modo, éramos parecidos, e na igualdade tive certezas de felicidade, derramei pelos caminhos onde passei meus melhores sorrisos, senti que naquela diferença desse mundo vão que ela demonstrou ter, eu pudesse conhecer tudo o que poderia desejar até o fim. Ouvia as músicas irradiarem uma limpidez diferente, ganharem um sentido mais claro e todo novo.
Eu pude contemplar, com aqueles risonhos olhos de criança que ela havia me emprestado, o inverno se prostrar aos seus pés, eu a vi vindo semeando as cores: o azul, o amarelo, e o verde, eu vi a primavera adentrar mais cedo pelos campos sempre anoitecidos dos meus setembros.
Ela me levou até as orquídeas, com ela conheci as orquídeas e seus nomes, e enquanto ela me mostrava suas preferidas, eu a admirava caminhando tão menina, tão leve, cabelos ao vento, folhas ao chão, que só não a confundia com uma delas, porque ela me parecia ainda mais delicada, ainda mais perfume, ainda mais pétala.
Ficou retido a mim, como fotografia inscrita na memória, o espelho onde morei. Aquele espelho onde eu a via me vendo, o mesmo espelho onde no reflexo do reflexo dos seus olhos, abraçado a ela, eu me via refletido muito mais bonito... e falávamos de contrastes, e falávamos de opostos e do yin e do yang, e eu no entanto, só pensava que nos nossos corpos unidos, morava o dia reunido à noite, como se naqueles pequenos e imensos mundos que criávamos, eles pudessem existir ao mesmo tempo, ser uma coisa só.
E fiz vinte e sete junto a ela, e hoje posso dizer, que pelo menos por um único dia, eu consegui todo bem que poderia querer na vida: por um único dia, por algumas poucas horas, eu pude realmente envelhecer ao lado dela.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um Último Respiro


Nem posso lembrar da última vez que choveu assim,
com tanta fúria, com tanta paixão.
No flash dos relâmpagos vejo a imagem dela se fixar
na superfície da chuva,
o som do trovão é o estrondo que faz a imagem dela
ao se inscrever por um átimo de segundo na carne da noite.
Sempre lembrarei dela nos dias frios,
na pele dela fria,
naquele algo glacial que não sabia explicar nela.
E o frio que nasceu de repente aviva a lembrança
de que essa semana esbarrei com ela...
De quando eu a vi atravessando a rua,
rápida e desatenta como é de seu costume,
magrinha, mas com sua presença imensa
perceptível em todas as coisas da rua,
uma cor clara, uma outra luz,
fluindo entre os faróis e os postes da noite suburbana.
Esperei os poucos segundos que nos separavam,
como quem espera dormente nas horas:
-Louise?
-Oi, tudo bem?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Orquidário de Setembro


Não pude dormir na angústia de sentir o perfume expelido do sobe e desce respiratório das suas costas nuas, repousando a um palmo de distância do meu peito. A madrugada correu insípida enquanto eu ansiava que você se virasse sobre o colchão, me olhasse mais uma vez daquele seu jeito, e me abraçasse até chegar a hora de ir trabalhar. Mas pela manhã o relógio tocou, você vestiu a camisola caída atrás da cama, e sem sequer olhar pra mim, me pediu desculpas enquanto ia sonolenta pra cozinha. Estranhamente eu quis levantar e não consegui, fiquei inerte, achei que estava morto até, que era uma alma invisível preocupada em como seria aquele dia inteiro no trabalho, onde o tédio costumeiro jogaria o tempo todo essa lembrança na minha cara, e me traria na boca aquele gosto amargo de fim, que é até bem parecido com o de vinho seco. Por pouco não percebi que estava sendo tomado por uma silenciosa vontade de chorar, só porque estava totalmente distraído no barulho dos talheres que você fazia na cozinha. Mas pra minha surpresa você me trouxe o café na cama, e me fez não saber o que dizer... olhava profundamente, e sem respirar, o copo de Nescau, olhava as torradas e as frutas, como se deles eu pudesse extorquir as palavras que não me existiam até então. Quando o copo de leite, chocolate, e mágoa, já ia pela metade, você perguntou o porque daquele silêncio que não nos cabia. Isso fez com que finalmente passassem a brotar as palavras que não tinham, nascendo uma após outra com dificuldade, formando sentenças que preenchiam o quarto de uma temperatura de desabafo. Choramos abraçados, alheios a todos os minutos que haviam, até que percebêssemos em mudez que nos escapara a hora de ir trabalhar. Quando os sussurros soluçados se cansaram de nós, deixaram em seu lugar um tesão que nos deflagrou uma fúria que atravessou a manhã inteira, a hora do almoço, e fez o dia se esvair em amor... uma paixão que fez a segunda-feira, dentro do seu quarto, se esquecer que era segunda-feira, uma paixão em um pequeno quarto onde, sem esperar, soubemos fazer caber silêncios e gemidos, chocolate e Peter Pan, onde colocamos, de uma vez só, todas as eras e lugares do mundo.

sábado, 13 de setembro de 2008

Daniela


Foi num puteiro do Centro que eu conheci a Daniela,
dona de um sorriso que é quase um ferimento,
uma agressão a escuridão do ambiente.
Sua dança,
cinematográfico artifício do seu corpo
(o quadril viperino em movimento
e em curvas impossíveis),
um raro dom de seduzir, um truque,
fazendo meus sentidos inteiros acharem
os resultados mais absurdos,
mesmo para as mais simples equações do desejo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Do Que Ainda Resta


Chovem as folhas secas seguindo o fluxo
do trânsito,
resvalando nos carros amanhecidos,
rolando pelos geometrismos do asfalto.
Dia de trabalho,
o Centro azulejado de Setembro,
duas borboletas erráticas dançando
sobre os canteiros da Presidente Vargas
me trazem a melancolia doce de lembrar,
que a Primavera sempre me traz um ano a menos.
Enquanto vou me deixando ser apenas as imagens,
entristeço porque sinto esses sóis te deixando menor,
como deixam as poças de chuva do dia anterior...
não queria,
mas ando te perdendo depois de cada sono,
sem no entanto,
conseguir te esquecer.
Setembro levanta suas cortinas,
e quanto mais te trago aqui pra dentro,
mais você some sem deixar de existir:
é como seu eu fosse a terra,
e você a relíquia de uma antiga civilização que já tive,
eu vou te encobrindo aos pouquinhos,
te eclipsando para longe dos olhos,
te exilando da vista dos homens,
mas te deixando ressoar entalhada nos meus livros de história,
perpetuamente inscrita na carne do corpo do meu mundo

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Hora É Para Sempre


Preso ainda àquele momento em que fui,
retido ainda àquela hora que passou,
e me deixou,
logo após e até hoje,
um outro eu totalmente outro,
absolutamente diferente do que era antes,
e agora desconhecido do tempo que segue...
um estrangeiro nos sucessivos instantes esses,
num eterno vir a ser um estranho de mim mesmo.

sábado, 6 de setembro de 2008

Munch


Existem dias em que algo quer compreender
o mundo em mim.
Existem dias em que choro baixinho
só p’ra preencher qualquer fragmento de silêncio
de um dia calado.
E tem esse estranho hospedado em meu corpo,
que só sabe bater e nem se dá conta do porquê,
essa coisa dolorida que é tão maior que eu,
que tenho que ir pelo mundo a doando em grandes pedaços,
na vã esperança de tornar o peito mais leve.
Pedaços!
Pedaços.
Pedaços...
Despedaçados...
Como são despedaçadas as cinzentas horas
imersas nessas ausências inauditas,
destroçando brutalmente com estas flébeis mãos
os dias de Sol.
Despetalando delicadamente,
com as pontas destes dedos magros,
os dias de chuva.

Aspiro dos meus braços o perfume enjoado
de uma flor maldita,
que só fez invernia no calor incansável do Verão.
Lembro em dissabor da sua boca que marcou neste corpo roto
a tatuagem mais dolorosa:
a marca do seu batom vermelho como o sangue de um deus!
Essa marca tão efêmera,
mas que imprimiu p’ra sempre em mim
uma ânsia imorredoura.

Mas quer saber de uma coisa?
Já basta!
Basta de lhe dizer coisas belas e doloridas!
Basta de lhe dizer palavras que só fazem sentido aos meus sentidos!
Vou me exilar dela!
Procurarei em cada fresta,
cada canto,
cada buraco,
uma dor p’ra minha dor!
Um grito p’ro meu grito!





Onde está o grito?

...

...

...
















Ela se aproximou devagarzinho
e o silenciou com o açaí nos seus lábios...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Como Se Fosse Você


Saudades dos dentinhos tortos no seu sorriso,
da sua palidez pronunciando a fundura dos seus olhos,
dos seus pezinhos limpos voltados pra dentro...
Agora ando vendo você e a Clarinha
em outras mães e filhas,
e começo a fantasiar como seriam dias de pai.
Revi a sua fotografia,
que era como se fosse você,
e que eu tirei de cima da mesa.
Reli suas cartas,
que eram como se fosse você,
e que tirei do meio das minhas roupas.
E como se fosse você,
as coloquei no fundo da última gaveta,
que é o lugar para onde enviamos tudo o que passou,
tudo o que queremos que não mais exista,
mas que no entanto,
por força de algum laço que resiste,
não conseguimos nos livrar de vez.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Asas de Colibri


Hoje eu acordei cismado em querer ganhar asas!
Queria as imponentes asas do cisne,
as praianas asas da gaivota,
não! não!,
eu queria mesmo eram as pequeninas e céleres asas
de um colibri!
Asas negras e emplumadas pelas duras penas do amor!
Hoje tantas coisas,
pequenas coisas,
quiseram a todo custo me fazer chorar.
Minhas lágrimas estavam agitadas,
doidas para escapar e ganhar o mundo
por entre as grades onde encerro os sentimentos
(bem escondidos p’ra ninguém perceber...).
Só consigo enxergar tudo seu através de uma lente de encantamento:
a proximidade da sua casa me faz ver além da pobreza do seu bairro,
um lindo e tranqüilo jardim,
que o é, só porque eu sei que você está ali em algum lugar.
Hoje eu queria porque queria essas asas!
Queria voar por aí te procurando e procurando a mim mesmo...
E queria mais que tudo deixar o seu dia mais triste,
ao fazer você encontrar sob sua janela,
o cadaverzinho de um lindo colibri negro,
emplumado por tudo aquilo que tem penado...
E você penalizada nunca saberá porque ele morreu,
nunca na vida saberá que ele suicidou-se ao beijar,
sem você perceber,
esse suave veneno que escorre na lasciva flor da sua pele...