sábado, 14 de dezembro de 2013

ma flûtiste française

“de que adianta vários portos
pra um barco sem âncora?”
você me perguntou sem me olhar
“você é excepcional em desfazer
todos os laços possíveis”

essas sentenças foram epifanias
de onde eu via cada nuvem passar
sobre você: tudo se tornou tão
nítido naquela hora

teus olhos egípcios voltaram a champs-élysées
(quem sou eu para competir com paris!)
e fiquei aqui morrendo de fome da
impiedade crua das tuas unhas mal pintadas

naufragando sempre em outros cais
através das madrugadas lentas
vou lendo teus bilhetes em francês

esperando o efeito de mais um rivotril

colégio de aplicação

o último ônibus chega sem perceber que um corpo dormente sobe os degraus,
passa pela roleta sem som algum, onde nada está ali.
decifro o meu futuro entre linhas de metrô, guerreando dentro de em um mundo onde tudo é vão, mas evito pensar nisso,
a rua agora recende a uma memória que se esforça pra não ser:
ela dará espaço a outro caminho onde trabalharei cansadamente
como foi tudo nesta vida: entre o sono e o desejo.
não me pertencerão mais estes caminhos suaves, estas horas
enroladas em papel cartão.
não.
não serão minhas as tentativas de adivinhar em qual altura do leblon tu abandonarás estes ônibus vândalos.

mas por agora basta o adeus.
adeus ao deserto da lagoa sob a chuva, tu serás apenas trajeto de dias escassos.
adeus a beleza absurda da cabeleira encaracolada, que fugia da vista como
um fantasma sorridente.
até mais banksy, kusama, oiticica, voltarei a falar de vós a olhos tão ávidos?
até logo juventude olimpicamente bonita, não poderei perder teus sorrisos nunca mais, eu que quis ser jovem verdadeiramente e estar entre vós.
adeus aos teus bombardeios aéreos, a invasão da normandia, e teus traços de
musa almodovariana.  ingmar bergman acena e também te deseja adeus.
adeus aos cafés, as vitaminas solitárias, e meu corpo magnificamente pesado,
a minha flanerie socialmente camuflada sob o sol esforçado.
adeus as geometrias dos corredores entardecidos onde meus olhos re-
pousavam.  serão outros, mais distantes, os corredores agora.
adeus a minha anna karienina e aos nossos crimes de amor
platonicamente esotéricos em lumiar,
tivemos um filho e vivemos nus no futuro que não será.
mas adeus novamente a minha anna karienina (logo me esquecerá).
adeus as calhordices academicamente matutinas as quais eu não
pertenço e que me faziam querer chorar, mas hoje, delas, só posso rir.
adeus aos abraços, gritos e correrias que me abandonavam ainda mais
tímido, adeus as suas vozes me chamando insistentemente.
adeus aos beijos interrompidos do tigre enfurecido no parque lage, a tua juventude desorientada secou a nossa chuva, ruiu o nosso cristo, e eu previ e você não acreditou.
mas isso não importa mais, pois agora adeus parque lage, adeus tigre enfurecido.
adeus sono sem sonhos após o almoço (o cheiro de couro velho do sofá).
adeus professora tatuada e seus truques com facas, tu que me ensinou a dança da morte em camas cheias de sol, adeus.
adeus rebouças, homem negro, túnel negro, e suas babás negras que iam e voltavam por dentro de ti.

destas manhãs e tardes torno estes versos um poema em carne viva,
pois será difícil voltar a amar e odiar como amei e odiei os teus dias, teus
pátios, tuas salas.
este poema é uma ode e uma elegia, como o é um filme expressionista alemão
abarrotado de sombras, monstros e musas pálidas.
este poema é o vestígio de um devaneio cuja idade não me permitirá

mais cometer sob a chuva negra e vermelha dos abajures enfraquecidos.

sábado, 19 de outubro de 2013

sobre o conceito de sublime

que segredo terrível
guarda uma mulher nua
que sentimento absurdo há no
seu corpo a meia luz que
mais se assemelha a uma
ideia simultânea de prazer e dor

que abismo é esse que se
abre quando ela para de
frente pro espelho e ajeita os
cabelos quando ela sorri do
outro lado da porta supernovas
explodem uma efêmera
flor desabrocha num segundo

a luz e sombra dos seus
quadris o meridiano da sua
barriga os peitos semicobertos
pelo roupão cor de vinho
clavículas clavículas
o amor inteiro debruçado na
respiração das suas clavículas

dentre as geometrias das gavetas
seu corpo é um sol é uma
lua é o eclipse tardio que
risca o dia como um raio e deixa
o céu do quarto em carne viva

que palavras antigas são essas
sussurradas através das estradas
em suas pernas (na geografia da
sua bunda): convites obscuros
sob a primeira claridade da manhã

o que é isso que petrifica e
mata diante desta mulher nua?
é o olho da medusa? é o
enigma da esfinge? ou é

apenas isso sem mistério: ela
de calcinha branca tomando sua
caneca de café enquanto
afogada na luz preguiçosa das cortinas
caminha pelo quarto lendo ms.
dalloway sem notar que já acordei

domingo, 18 de agosto de 2013

Eva

após cada frase dita
o modo como você aperta
                                         os lábios
me lembra a julia roberts sorrindo


não não
              é mais bonito ainda:


o modo como você aperta
                                            os lábios
após cada frase dita
me faz pensar num tigre-

                                            de-bengala dormindo

terça-feira, 13 de agosto de 2013

ensaio sobre a cor vermelha

te imagino bruxa, nua, branca. os
cabelos amarrados como os de
uma camponesa num fotograma de
pasolini. o teu rosto de perfil na
contraluz das janelas antigas,
estampado nas tapeçarias bucólicas
das antigas casas lusas a beira mar.

dentro da estufa enluarada as
folhas em prata, e o diabo sorrindo,
enquanto você me convida pro
teu corpo preso ao silêncio do
orvalho e do vidro, esse corpo de
um tempo distante:


odalisca de ingres no jardim botânico.

domingo, 21 de julho de 2013

fantasmagoria

lê teus chacras enquanto
as contas de madeira em
tuas clavículas reluzem a
luz fria com dificuldade

a vida babe é
como as janelas de metrô
que passam pelas estações
frias do meio de julho:

estes rostos que passam como
riscos enquadrados em
molduras de alumínio esses
rostos que nunca me verão e
dos quais nunca saberei nada
que não esses olhos cansados

o metrô a noite
- ambos sabemos - é uma
redoma de melancolia

mas você é elegante (um
brinco de osso) em
sua magreza que de dentro
da luz férrea é de uma insubstancia
fina como se fosse um facho
da própria luz moribunda

meu ouvido captura fragmentos
“loteria filha proust videogames
marido terminal
unhas feitas” e nos meus olhos de
franz kafka do subúrbio você
deve ter lido que ando solitário
que quero conhecer a dona da voz
que anuncia as estações e tocar
ternamente em sua face esquerda

babe
você deve ter percebido
que quero conhecer você também e
seu sorriso amarronzado sob a luz
café e ver as mãos do sono despenteando
teus cabelos na fumaça cinza da
madrugada de chumbo

mas o vagão é branco como um
hospital e as pessoas são limpas e
cheiram bem: é sábado a noite (mas
ainda assim sinto o cheiro do
teu sexo estreito driblando os
outros perfumes o aço desumano) e
quando meu olho e o teu se chocam
é como se abrisse uma lanterna mágica
nas tuas retinas um diamante um cristal que
vai criando narrativas e cinematografias no
metrô para o largo do machado que
é onde tu me abandona mesmo
tendo sido eu a deixar o vagão que
seguirá adiante imbatível como segue a vida:
levando embora você de mim junto
a todos os rostos que esqueceremos

domingo, 14 de julho de 2013

antesala da pediatria


tuas costas sobre os edredons
listrados rajados de neon e meia luz
tuas omoplatas cordilheiras onde
eu alpinista suicida dos teus abismos
grotas úmidas cânions rosados
a tua bunda na luz sim luz não das
persianas preguiçosas do meio da tarde
egípcia serpente garça cisne
um foucault amarelado entre tuas

mãos finas aracnideas que não
ousam desfazer as páginas mas
despedaçam meu corpo em frágeis
bordados sob a chuva espartana
magra&leve meu braço enlaça tua
anca como uma tira de veludo dando
a volta em um mastro de caravela perdida
sobre as fossas marianas enfurecidas e

ferido em sedas carmesim do teu vestido
cheio de panejamentos barrocos onde
sanguínea meus olhos entristecidos caídos
desencantados da beleza figidia entre
ébrios homens de ternos negros
no frio do meio de julho minha gripe
minha febre minha lebre saltando de olho
em olho sorrindo como se estivesse sob o sol
dançando alheia a mim e a vontade de cama
onde tuas omoplatas vertebras nuca e bunda
onde eu e você atravessados cansados e
atrasados do giro inócuo da terra

domingo, 28 de abril de 2013

análise iconográfica de um retrovisor de ônibus


teu rosto enquadrado no
canto inferior direito do
espelho nítida a tua blusa
azul no mesmo tom da
cortina do motorista os
olhos lagos de ferrugem
congelados no horizonte que
não se mostra enquanto a
primeira luz da manhã sobre
a lagoa delineia incandescente
a curva da tua face direita
alheia aos riscos coloridos dos
carros que entram e saem
dos teus cabelos eurocêntricos

pensei em fazer uma fotografia
mas já não seria esse poema
uma imagem retida pra sempre?

do cair da noite


ainda viveremos esses belos anos
entre o sol e o sono mas o ocaso
se assoma no horizonte dos dias e
depois das cores esquecidas olharemos
as fotografias como um soldado que
voltou da guerra de onde não queria
nunca ter saído

o poema
qualquer poema nesses dias vindouros
será escrito por mãos carcomidas
através de olhos que já viram tudo
e já não se encantam mais por nada

talvez uma velha senhora
um cão um radinho de pilha
a poeira dos livros arruinados
serão uma última companhia
um último olhar para um mundo
que escurecerá para sempre
(vocês terão seus filhos o seu
trabalho aqui falo somente por mim)

as coisas serão pedaços concretos de
perda e a visão da juventude pesará
tanto que 10 homens serão necessários
para carregar nossos caixões até a cova

as frutas cairão dos galhos
a cidade se decomporá em mil
nuvens leves craqueladas de porcelana
e dos dias que houveram não
existirá mais qualquer memória viva
que não as dessas ruas onde sorrimos
bebemos e amamos com tristeza e fúria

definição de saudade:


quando
pela soleira da porta
atravessam meus olhos as
sandálias empoeiradas
que há um ano atrás
esqueci de devolver

anna karienina


me esquece florzinha:
sou sujo
ando magro barbudo
e
- terrível! -
tenho o dobro da sua idade

do amor enquanto raio (códex poético-profético da rua ceará)


sob a luz indecisa as
musas da calçada a pele
gordurosa de óleo bifásico

as musas nuas atrás das
grades sob luzes sanguíneas
que escorrem pelos guetos
cheirosos de vômito e urina

as musas tristes e lascivas os
peitos suados sobre as mesas
manchadas as vaginas cobertas
de pelos ralos e penumbra

casarões velhos lingerie e tatuagem:
cada lata de cerveja apaga uma
luz convulsiva que morre nas
poças agourentas do meio-fio

na imersão dos sentidos desregrados
as musas pitonisas me fazem a
suprema revelação: na noite viva da
vila mimosa tudo é dedicado ao sagrado

vinteequatro por segundo



morde a maçã branca de
neve mas teus olhos de
limo denunciam a soberba das
bandeirinhas coloridas que
acimam a cabeças das
babás pretas com uniformes
brancos e suas crianças brancas

o resto é rasto é rasgo no
perfume que fica na manhã de
domingo onde o centro da
cidade respira quieto e esconde os
salões escuros onde repousam
fotografias em preto e branco como
torres de alquimistas cegos

e

por falar em alquimia me
veio agora a lembrança dos
bailes funk da vila da penha que
nada mais eram laboratórios
alquímicos onde joãogabrielluis
descobriram a pedra filosofal na
fórmula das cervejas baratas
“na quatro por quatro a gente zoa
whisky e red bull e eu aqui a toa
o pau ficando dur...”

mas desfaço essa elucubração quando
as duas mocinhas se beijando no
hall do museu lançam uma granada de
fragmentação certeiramente dentro
da trincheira que construí a unha
entre escombros e sensibilidades

se morresse na explosão haveria
bandeira para enrolar meu cadáver na
volta pro meu país? haveria país?

na rua inodora o sol espeta o rosto com
mil agulhas e torna tudo em acrílico como
nas tvs de led que mostram as praças da
europa em full high definition e lançam
uma nostalgia do que não se viveu

e

já no meio do dia do bairro de
fátima uma bebida sozinho no
bar mais sujo serve como predição do
futuro enquanto nelson cavaquinho
agoniza em cima das mesas e
dentro dos sujos copos adamantinos um
quadro mofado de di cavalcanti me
me retribui o sorriso que lanço a ele

mas

o flerte com a puta pintada no quadro do
di se quebra quando o telefone toca e é
outraputa (dessa vez de carne e osso) com
quem poderia sanar essa minha
solidão dominical mas digo a ela que
hoje prefiro a companhia das faixas de
pedestre que prefiro ouvir a nessum
dorma das árvores da praça mahatma
gandhi enquanto o 247 passeio-méier
dorme docemente como os dormem
os mendigos salpicados de ultravioleta

moleques de rua espreitam as máquinas
fotográficas dos turistas japoneses que
tem um sorriso colado nas faces cor
de cremogema ralo sabor tradicional
enquanto penso que um único
amor pra vida toda é uma renúncia e
toda renúncia é prenhe de nobreza

no entanto

a nobreza de um homem nasce no
sangue e eu sempre tive sangue de
poeta vadio e sujo e doce que
desfia a renda dos ventos sudoestes no
cheiro de sexo que exala por baixo da
textura colorida das saias nas calçadas

a tela de penélope


quando ela chegou trazendo
as malas eu pude realmente
conhecer sua matéria que
antes existia apenas dentro
do motor lento da espera e
me surpreendi com suas
unhas pintadas como explosões
via-lácteas com o seu cheiro
de naftalina e com sua saliva
largando sob meu nariz um
odor de roupa mofada

ela chegou impondo suas
tristezas a sua insônia convulsa
nessa minha vida carinhosa mas
já sem nenhum amor possível

e a amei como quando era
jovem e temia a chegada da manhã
e a amei como quando era
jovem e suscetível a febres veraneias
a amei doce e triste como é o
meu amor: uma elegia tocando baixinho
num amadeirado gravador antigo

sexta-feira da paixão


quando ela reapareceu
alguns anos depois
se dizendo convertida ao
evangelho de cristo
dizendo “eu amo meu marido”
cuidando de um filho e
afirmando que está orando
todos os dias a deus por mim

eu pensei  “é... já vi que esta
estrela não brilhará mais
nesta constelação” o que é
uma pena já que a oração
que ela fazia antes disso
era muito mais sagrada
pra mim: de quando ela
me ligava as 3 da manhã
bêbada e perdida como sempre
falando o quanto ela se
odiava por me desejar e que
já estava no meu portão

deve ser por isso que agora
só sinto uma profunda tristeza
pelo que ela me tornou: agora a
seus olhos eu pareço um pobre
coitado que precisa de salvação:
antes eu era mais:
quando abria o portão seus olhos
eram um misto de admiração
e temor que faziam eu me sentir
belo e mau como o próprio diabo

lembranças de uma mulher descrita sobre a superfície lunar



o uniforme impecavelmente
branco quase deixa a mostra
os agudos bicos dos teus peitos
mas na manhã sonolenta você
nem percebe as carícias que minhas
retinas desferem nos teus braços
afogada que está em seu celular e
seus contatos eletrônicos

cofiando a barba olho a paisagem
do teu corpo e me sinto um
astronauta vagando na lua morna
e sentindo saudades da terra
onde caminhas com tuas pernas
estreitas e com os teus cabelos
de bailarina entre o motor e
o óleo diesel das 6 da manhã

de lá de cima entre
estrelas e crateras e através
de toda essa distância eu a veria
minunciosamente e nítida como a
vejo agora aqui ao meu lado

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

coisa acesa por dentro


é quando você chega
- repentina -
me alvejando com um
sorriso inesperado:
jovem & delicada & fina &
quebradiça como o fio
de lua que invade o quarto
escuro por uma fresta

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

trilogia do carnaval


I
schwarz damiel

fantasiado de anjo não
tenho nem de longe a
elegância de bruno
ganz naquele filme alemão

mas se tenho uma
trapezista no pensamento
o carnaval do rio vira
inverno em berlim?



II
mãe de júpiter

os teus olhos desertavam o mercúrio e o neon encontra-los na multidão foi achar a gema no leito do rio que corre e fazer da tua timidez a matéria indestrutível do carbono de onde eu via teu sorriso adamantino girando translúcido e cada face do cristal multiplicando teu rosto infinitamente nos espaços estreitos da minha coragem e o brilho da lua refletindo nas serpentinas e colorindo os teus dentes que se aproximavam do meu sorriso amarelado de tetraciclina e num encontro que o bloco inteiro aplaudiu a refração da luz alisando os teus vértices de diamante tornou aquele beijo numa multifacetada eternidade que ainda ecoa alegre pelos cantos empoeirados dos lugares sem carnaval 


III

olhos de bruce lee

quem a veria
e a fixaria
além de mim com esse
sentido de nostalgia do
que não houve?

quem a veria
e a sentiria
além de mim e teria
saudades da chuva nas
ruas de tóquio e da
cor do alvorecer nas
praças cálidas de pequim?



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

vaticínio


imagina menina um
apartamento na rua do
riachuelo amanhecendo no
domingo pela manhã após
uma noite de chuva os
pássaros cantando as pessoas
vagarosas indo ao mercado tudo
quase não querendo existir

imagina menina acordar nesse
apartamento o cheiro dos lençóis
lavados e da madeira velha do
assoalho e ainda ofuscado
vê-la debruçada na janela a
luz lenta contornando suas
clavículas (seu primeiro cigarro do
dia) os músculos das tuas costas
quase sem carne e escorrer
os olhos pela cânion moreno da
tua cervical até a sua calcinha
assimetricamente vestida e ali
ficar adivinhando o volume das
tuas pernas de garça na penumbra

vê menina como é estranha
a vontade da criação poética: no
nosso olhar de 1 segundo e ½ ela
fez caber todos os sentidos que
seriam nesse espaço-tempo inteiro

sábado, 26 de janeiro de 2013

músicas para ouvir antes de morrer


faz anos que não a vejo e
hoje você já é uma mulher e que
ama outra mulher e que num
jantar você quer que eu conheça

por isso faço a barba jogo
um perfume pelo corpo faço
umas flexões de braço pois eu
quero que você veja o quanto
estou mais bonito e cruel

nos encontramos no mam e
dali vamos pro seu charmoso
apartamento no catete e vejo que
sua namorada é bem bacana:
conversamos sobre tarantino e
spice girls enquanto te vejo aquela
garotinha de novo quando insiste em
me mostrar os grafites do banksy

evaporo uma garrafa de vinho e
discutimos sobre a cidade partida
mas
logo depois tenho de ir embora
correndo porque daqui a pouco
o último metrô vai passar
na estação da glória

canibalismo a flor da pele


quando era criança tentei
ser criança e não consegui

já fui budista já amaldiçoei
deus nas chineladas da minha mãe
e hoje
nenhuma verdade me diz

já aceitei propinas
já fui sujo muitas vezes (inclusive
com um amor verdadeiro)
e na hora da porrada eu pedi arrego

tenho um lado jonh fante e
outro lado playstation e aprendi
a vigiar o tempo escorrendo pela janela

acho rambo mais bacana que rimbaud

e
ultimamente ando intolerante a
vida e sinto que posso por tudo
a perder: amizades amores a
própria noção dos dias

olha
eu não queria dizer mas
já cogitei sinceramente o suicídio:

só que aí eu pensei nos grandes
lançamentos do cinema e eu
pensei em todas as bundas
que ainda não conheci
e desisti

l’avventura


quando no próximo ano
você ali não mais
estiver pequena poeta
eu sei:

vestígios do seu rosto ainda
permanecerão nas diagonais do
refeitório barulhento
teus olhos verdes (assustados e
impiedosos) ainda ecoarão
através das ruas soluçantes do
jardim botânico e seu cheiro de
tigre acuado continuará caindo na
chuva ácida que desintegra os
verdes escuros do parque lage
que desintegra a opacidade do
redentor (derretendo aqueles finais
de tarde de sombra e preguiça)

e talvez essa membrana invisível
da incomunicabilidade que
nos impede de cingirmos um
ao outro se torne um muro
concreto entre dois campos minados e
não haverá telefonemas ou redes
sociais que mitigarão isso:

pois entre nós
nem mais as palavras embrulhadas
em arame farpado haverão

não mais rodin e claudel não
mais batman e capitão américa: os
dias sem sabermos um do outro serão
uma outra espécie de brutalidade
uma outra espécie de flor

e
como convém ao tempo que tudo acabe
nunca mais ser tão jovem como você
e você tão antiga quanto eu
nunca mais trocar versos faíscas
e medos às 11 da noite

nunca
nunca mais os espelhos das camas pálidas
e sobretudo o fim:

o sol vermelho lento da barra da
tijuca ou a ameaça de tempestade
no jardim botânico nos mandando
diluídos de volta pra casa

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

o anjo azul


não
não sou aquele professor velho e
careta não sou barrigudo e
afetado  como emil jannings
no blaue engel e nem estou
fadado a decadência apesar do
que ando dizendo por aí

mas

ante a visão de tuas ancas
marlene dietrich do largo do machado
eu me flagro um assíduo careta um
insistente velho fraco que
na noite absurdamente quente do
teu camarim (incenso shiva elefantes
sagrados) dançou contigo uma
dança da morte e sobreviveu ainda
que mutilado de uma parte que
já não consigo mais decifrar qual é

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

astrofísica


no vórtice da madrugada
um silêncio sugando tudo
pro centro: um
buraco negro de mim

om mani padme hum (oração a uma moça de circo)


para paula guglielmi

cruzar
de uma zona a outra
a cidade a noite sob a
chuva em busca do amor
(é tão difícil o amor na
cidade) e te esperar
num bar meio vazio a
cerveja no fim quando você chega
ligeira e atrasada me reconhecendo
na mesa do canto como
convém aos solitários e/ou aos tímidos
fazendo eu me saber um careta
com seu estilo subjugando o meu

com o cigarro eterno entre os dedos
os dreadlocks recendendo a cannabis
você senta e faz o assunto orbitar
em torno do desapego e dos ciúmes
versando com a imponência de uma
pitonisa que me obriga a decifrar
profecias sobre a rijeza do coração

e me desnorteia ver você inverter
a mesa e me fazer perder de lavada o
meu jogo preferido: o colecionismo
de amores (mas você é mulher e
você é bonita como só é
bonito aquele único poste aceso
em uma ladeira do estácio: nesse
jogo você sempre vai estar
milhas a minha frente) mas eu
engulo o orgulho junto a cerveja
engulo teus olhos teus dentes a
tua argolinha no nariz quase
me fere a garganta
engulo tudo porque eu preciso
te beijar sob o ozônio como
quem quebra um tratado de paz
como quem declara guerra a
um país belicamente superior

é um processo adivinhatório
tatear teu corpo estreito e
de olhos fechados achar tua
cintura e correr o mundo inteiro
na cartografia dos teus braços
incrivelmente frágeis

e teu quarto pequeno chega
a porta de correr a comida
macrobiótica que devoro só porque
estou com fome enquanto
você desintegra seu baseado
distraída com o keanu reeves na
tv não me percebendo entoando os
mantras da tua perna com a
serenidade de um rinpoche

e te ter como uma epifania como
se sua substância fosse um
vapor escapando entre as mãos
um êxtase que vai se acabar pra
sempre sem nunca ter havido
e dormir e não dormir olhando
tuas formas cansadas que no escuro
soam ainda mais perfeitamente
magras e intocáveis e virada de
lado me impede a invenção
de qualquer carinho

quando amanhece
te vejo ainda uma última vez
nua e absoluta e desvendo no
compasso da sua respiração que
essa noite foi a revelação de
algum bonito mistério da vida (e
me fazendo arrepender dos
dias em que desejei morrer)

mas abandono sorrateiro teu prédio e
teu sono e a claridade lenta do catete o
ócio do aterro expõem minha pele
ainda viva (troquei de pele
por não caber mais na antiga) e
ainda teu cheiro na ponta dos
dedos ainda teu hálito no meu
hálito correndo pelas persianas
que divisam e dividem a lagoa

o dia passa no limbo do semissono e
a noite chove a mesma chuva da
noite anterior me fazendo querer te
saber onde agora sob a torrente
em que a-braços estranhos praticando
sua liberdade anunciada que parece
mais um desafeto que uma elevação
deixando esse incômodo esse
grito no meu peito que é um
grande risco que corro e que
a essa altura do campeonato
pode ser tão mortalmente potente
como um tiro no céu da boca

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

aracnokafka


quando
certa manhã
o poeta kavita kavita acordou
de sonhos intranquilos
estava metamorfoseado em
uma gigantesca aranha cabeluda

mas ele tinha aracnofobia e
quando olhou pra si teve
um piripaque de tanto pavor

morreu de medo de si
mesmo (encolhendo as
oito patas negras como
uma rosa murchando) e
impossibilitando assim o
pastiche aracnídeo da
clássica narrativa

aracnofobia


quando abri o armário
de materiais dei de cara
com uma ameaçadora
aranha marrom

eu olhei pra ela
ela olhou pra mim (seus
oito olhos de prata ainda
estão aqui) e o que se
seguiu foi inevitável:

ela correu pra um lado
eu corri para o outro

l’age d’or


sou todo feito de cacos tímidos:
só quem vem quietinho
poderá tentar recolhê-los
e é preciso ser um solitário
para o silencioso trabalho de
juntar suas desconexões

mas
ninguém até hoje conseguiu:
apenas aprenderam a dor
de sangrar as mãos sozinhos

paisagem onírica


há dias em que
tudo me distrai mas
há aqueles dias em que
a saudade vem em ondas lentas
e frias quebrando nas
margens noturnas do peito

o farol:
na claridade posso ver
sumindo no infinito da
praia sem estrelas as
pegadas de quem seguiu
pra outros litorais

réveillon II


essas coisas de flores de
estrada de serra de
água salgada não tem
nada a ver com esse viver
estanque entre dois abismos
cheios de fogo e gelo
entre duas calçadas cheias
de casas interditas

mas alguns dias nos
convidam a sonhar e são
esses os dias que nos
salvam e nos mantém
firmes para mais uma
temporada no inferno

réveillon


o fim de ano chega e
escoa mais uma vez e
são/serão tão poucos
anos os destes nossos
corpos que se chocam e se
esfacelam nos ventos íngremes
e marítimos dos sonolentos
apartamentos acesos

mais tarde haverá fogos de
artifício (sempre há artifícios) e
abaixo do seu desabrochar
luminoso residirão
- e ninguém saberá –
coisas que murcham e que
se voltam pra si mesmo num
lento movimento pra dentro