terça-feira, 25 de dezembro de 2012

noite de natal


ingrid bergman não
virá essa noite

eu disse a ela que
aqui anda mais quente
que em marrocos aquele
dia em quarenta e três
mas
que comprei um ar-
condicionado para fazer
com que ela esquecesse
do humphrey bogart fumando
charmosamente seu cigarro
em preto e branco

mas ela nem quis saber

ingrid bergman preferiu
sonhar dentro dos noturnos
ventos almiscarados de
casablanca
e
com o rosto em close
- um sorriso rasgando
a tela grande da tv –
me disse que essa noite
já não virá mais

choque de cores


aqui não há praia e
isso é importante
afinal
estamos no rio e falar
do subúrbio é dizer uma
violência sem azul

mas

também é saber que
mais bonito que o
azul é o negrume dos
seus cabelos emaranhados
pelo vento férreo que
sopra lá das linhas de trem

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

philadelphia woman


tenho você nas primeiras
ondulações da manhã
na tela negra dos sonhos em
milhares de pontos de
led multicoloridos
(como poeira estelar)

na cinelândia noturna te
tenho entre fotografias e
na evaristo da veiga seu
riso frouxo correndo até
a curvatura dos arcos

no caos das imagens te
lembro e me esqueço
da anarquia do cinema

teu sotaque
teu modo de escrever
mezzo português
mezzo castelhano e
tua carne glacial que
por baixo da pele aqueço
com mãos e lábios

no cais do porto no
metrô da carioca é você
que me leva pelas mãos

dentro dos quadros de
eliseu visconti nos salões
iluminados dos museus a
tua silhueta minguada
no chiaroescuro

na copacabana noturna na
miguel de lemos os
teus olhos verdes claros
entre os postes nas
propagandas acesas dos
pontos de ônibus: teus olhos
acesos como punhos delicados
esverdeando através dos meus

preso as suas horas
esperando minuto a
minuto por cada
encontro onde cada vez
mais você desconstruirá hollywood
e usará essa sua arte ilógica
de sempre me mandar de
volta pra casa com frio: e
no entanto lá vou eu
atravessando as ruas suburbanas
no meio do dia útil
- chapéu de banda
poemas no coração
mulheres na história –
pra te encontrar e me sentir
o grande e último
latin lover da face da terra



sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

nathalia


definitivamente
o verão que a impiedade
destas ruas de concreto e gasolina
bafejam  não é o mesmo
verão de seus dias azuis

não são essas as mesmas horas

mas obscuramente
- como são as coisas da memória –
aparece aqui
no calor inclemente dos subúrbios
um pedaço indestrutível de
saquarema: a insolação traz aquele
movimento de cheiros que
recendiam permanentemente
sobre a pele dela: açaí
maresia e bloqueador solar

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

dezembro


o sol da manhã me
lembra de quando
éramos jovens e bebíamos
cicuta nas clavículas das
ruas bombardeadas de
neon e amônia

acordo e me pergunto:
porque tudo existe?
existiu? existirá?

mas você não deveria
me dar ouvidos ma petit:
tudo é só porque ando triste

sabe?
assim como um pneu de
automóvel que
após o acidente
rola sozinho
solto
e desaba no acostamento diante
dos olhos de um cão perdido
que é ainda mais triste e
é ainda mais eu

tudo me violenta e me indefine
e uma delicada saudade fúcsia
elucida que a falta de
dinheiro é transitório mas
a falta de amor pode cobrir
de resina os dias mais afetivos

e

os muros grafitados e as
linhas de trem e os
viadutos ululam gritos de
guerra como bárbaros nos
portões das casas onde
eu poderia me travestir de
velhas portuguesas preparando
ceias de natal em panos
de prato bucólicos

lapa
praia da barra
pedra do sal
jantares com amigas lésbicas
manequins destruídos
em puteiros novelescos
e
sobretudo
toda essa chuva por dentro e por fora
não dizem mais as
coxas e bundas veraneias
desferindo o carinho dos punhais
não dizem mais o apartamento
silencioso onde houve dias-jardim

mas pelo menos por agora
querida
não quero que me veja
aqui nesse quarto: como
um homem-elefante
tirando o pó das estantes e
escavando memórias dentro
das camaras escuras das gavetas
ancestrais

pois
ainda que haja a poesia
a minha a sua
aquelas escritas a quatro mãos
nos berços úmidos da humanidade
ainda que haja essa
luz e suas grandes áreas de sombra
essa liberdade doída diz que
em janeiro poderemos voltar
a tocar de leve na carne da alegria e
secretamente
fingirmos ter vinte anos novamente

samba de verão do subúrbio


sua pele glacial acesa como
um sol de outra natureza
sob os 40 graus em madureira

a faz

uma aparição delicadamente
bonita contra a violência do
trânsito e dos fios elétricos

mas sua pele intacta sem
uma gota de suor a trai:
é a falha que denuncia
que sua beleza impossível
- e alheia ao calor -
só poderá ser o verão ofertando
ao poeta uma gota de alívio
na ilusão de uma miragem

la grande jatte


diria que as
mulheres são
como estes
quadros impressionistas

de longe
uma
festa para os olhos

mas

de perto
uma
explosão de cores
em formas inapreensíveis

terça-feira, 4 de dezembro de 2012


o túnel rebouças
é negro e cheio
de spots laranja

no entanto

o homem rebouças
era negro mas não
tinha spots

o túnel rebouças
liga a mágoa a lagoa

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

1994


a emissora de rádio que
minha mãe escuta pela
manhã traz
- como uma visão
através do fundo de
um copo amarelado –
uma lembrança de infância:

a velha senhora
lavando a louça no
ar desbotado da
cozinha enquanto eu
calculava o movimento
das estrelas numa
equação de segundo grau

a mesa de madeira recendia
o cheiro de saudade o
assoalho rangia sonolências
e a janela que dava
pro quintal enquadrava
a grande angular daqueles
olhos verdes que me
esperavam e que
ainda hoje
na hora do café veloz
esverdeia de memórias
a pele cinza da manhã

soliticídios


o coração na boca as
mãos sujas de grafite
percorri a agenda telefônica
precisava desabafar precisava
de alguma voz amiga

mas hoje ninguém atendeu

com um gosto de cabelo
acidulando na língua corri
desatinado até a cozinha e
peguei a maior faca que
encontrei: levei pro quarto
tranquei a porta e
enquanto tocava o belchior
silenciosamente
comecei a esquartejar solidões

???


o que leva um homem
- que precisa levantar
as seis da manhã  -
acordar as quatro pra
escrever um poema
que diz que ele não sabe
porque escreve um poema
as quatro da manhã se
precisa levantar as seis?

máquinas fotográficas


tento medir o quanto
de amor é necessário
pra que ela pegasse o
telefone e chamasse
pro cinema o traidor

e ele (o covarde)
- que agora anda entristecendo
outros corações - recusou
menos por falta de dinheiro
e mais porque
em um dia de supremo desespero
ele assumiu de volta o mundo
e fez uma promessa ao
diabo que custe o que custar
vai ser feliz assim:

morrendo sozinho