quarta-feira, 29 de abril de 2009

Genius Locci


Quando vem me visitar a solidão
eu me dou ao pesado retiro do quarto-abrigo.
Nenhum som se permite existir,
a não ser os ruídos intangíveis da minha existência corpórea.
O ar ganha densidade física no cheiro de madeira dos móveis,
e a poeira dos livros me fala do amarelecer das palavras,
e da devoração inexorável do tempo...
O meu quarto ganha vida com ares de fogo e gelo:
é uma entidade criada em mim e de mim,
e que me guarda em meus segredos,
e onde assombram, livres de seus grilhões,
esses frágeis fantasmas impressionistas,
todos tecidos na minha delicada tela de veludo azul escuro...
essa tela que preenche tudo que é solidão,
tudo o que me abraça e sussurra nesse piccolo mondo melancólico,
que se abriga e se embate,
contra a concretude dessas quatro paredes cor de areia.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Punctum


Dia de chuva
tudo cinza:
paisagem desejo.
Só um ponto claro,
na paisagem,
no desejo:
a pele branca
da coxa
pelo rasgo da calça.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Pequeno Catálogo da Infância


Comandos em ação; He-man;
comer meleca; gongolos no
quintal da minha avó; batatas fritas
e carnaval na casa dela também;
Emanuele (a do colégio);
Emanuelle (a do filme erótico
do canal 7); quadrinhos do Conan;
futebol no campinho; futebol de
botão; mamadeira até os oito;
Ziraldo; experiências metafísicas
com um Phantom System; Meu
Primeiro Amor e a Anna Chlumsky;
Ultraman; o apocalipse nas
chineladas da minha mãe; medo do
escuro (isso até hoje...)

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A Uma Passante (apud Baudelaire)


O trânsito absurdo
a multidão de autômatos
na Primeiro de Março
some
enquanto ela passa.

Tudo petrifica
só o vento se assanha
nos cabelos dela
que caminha firme
como se soubesse que
não há mais nada
além dela
pelas ruas cidade
nas retinas do poeta.