quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Panorama de Afetos


Ela compra um sorvete na
noite fria de agosto.
Seus dedos
- longos e finos
como uma aranha albina -
despejam alguns trocados na
mão do cobrador do ônibus.
Ela corre entre as luzes das
lojas prestes a fecharem e isso
acende e apaga seguidamente sua
silhueta minguante.

E em outro ponto de ônibus ela
chora outra música que lhe alcança pelos
fones de ouvido:
as luzes da baía piscam mais lentamente
a Guanabara adormece e silencia
a noite quando cai cai docemente a seus pés:
tudo ante a lágrima serena humilhado.

COMO SER UM GRANDE ESCRITOR


(por CHARLES BUKOWSKI)


você tem que trepar com um grande número de mulheres
belas mulheres
e escrever uns poucos e decentes poemas de amor.

e não se preocupe com a idade
e/ou com os talentos frescos e recém-chegados.

apenas beba mais cerveja
mais e mais cerveja

e vá às corridas pelo menos uma vez por
semana

e vença
se possível.

aprender a vencer é difícil -
qualquer frouxo pode ser um bom perdedor.

e não se esqueça do Brahms
e do Bach e também da sua
cerveja.

não exagere no exercício.

durma até o meio-dia.

evite cartões de crédito
ou pagar qualquer conta
no prazo.

lembre-se que nenhum rabo no mundo
vale mais do que 50 pratas.
(em 1977).

e se você tem a capacidade de amar
ame primeiro a si mesmo
mas esteja sempre alerta para a possibilidade de uma
derrota total
mesmo que a razão para essa derrota
pareça certa ou errada -

um gosto precoce de morte não é necessariamente
uma coisa má.

fique longe de igrejas e bares e museus,
e como a aranha seja
paciente -
o tempo é a cruz de todos,
mais o
exílio
a derrota
a traição

todo este esgoto.

fique com a cerveja.

a cerveja é o sangue contínuo.

uma amante contínua.

arranje uma grande máquina de escrever
e assim como os passos que sobem e descem
do lado de fora de sua janela
bata na máquina
bata forte

faça disso um combate de pesos pesados

faça como o touro no momento do primeiro ataque

e lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem:
Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.

se você pensa que eles ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está

sem mulheres
sem comida
sem esperança

então você não está pronto.

beba mais cerveja.
há tempo.
e se não há
está tudo certo
também.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MULHERES DE PASSAGEM


(por KOSTAS OURANIS)

Mulheres a quem vi por um instante
dentro de trens à hora em que partiam
para outro lugar, mulheres que riam
nos braços de um outro homem, exultantes;

mulheres em balcões, a olhar diante
de si (tão distraídas) o vazio,
ou a agitar do convés de um navio
que zarpava seus lenços vacilantes:

se soubésseis com quanta nostalgia
eu vos trago de novo ao pensamento
pelas tardes de chuva, tardes frias,

mulheres que passastes um momento
em minha vida - e agora conduzis
minha alma a um exótico país!

ErosAres


Não há armistício no meu
pensamento quando acordo na
cama amanhecida.
O desejo aponta todos os mísseis para
o meu corpo;
Tantos rostos nessa vida me declararam guerra:
cada um deles um país se embatendo pelo
meu peito-território.

Este corpo um mapa-múndi de carne e sangue onde
já se travaram dezenas de guerras mundiais que
não se resolvem.
Permanecem os escombros
vilarejos bombardeados
holocaustos...

E uma cidade inteira em mim
nunca mais se reerguerá do pó:
em meu centro em minha capital
resistirá um monumento em memória
àquela vaporosa noite de janeiro em que
silenciosamente
ela detonou a febril bomba H.

602


O apartamento está vazio.
Essa noite
- sem ela aqui –
o sono virá desacompanhado.
E eu sinto o quanto me completa a solidão.

Amigos essa noite não há
(a noite a muito não há)
desde que meu amor foi seqüestrado
amantes (se) partiram daqui.

O computador lança luzes nas
paredes madrugadas e a
televisão é um dispositivo anti-insônia:
filmes antigos
pregadores apocalípticos
televendas
pornografia...

São 3 da manhã e o
som dos motores não cessa através das
cortinas lavadas.
São 3 da manhã e o
mundo está em seu final.
Mas escrever esse poema é tentar
manter as últimas luzes acesas
é a última refeição no corredor da morte.

Imprecação Estética

Olhá-la no banco do ônibus
pintando as faces morenas me
fez rogar-lhe uma praga:
- Vai ser bonita assim na casa do caralho!

Alegoria da Caverna


Sou um passivo político convicto.
Não sou um a-político pois até pra
isso é necessário tomar uma posição.
Tenho mesmo é muita preguiça e
um amor incondicional pelo cinema.

Pegar em armas por uma revolução?
Jamais!
Ser um estudante de cara pintada gritando
palavras de ordem?
Não obrigado... prefiro a languidez do
sofá e algum Tarantino em tela grande.

Que o país pegue fogo!
Que tudo se afunde em merda
desde que a casa e a televisão fiquem intactas.
Fodam-se os desabrigados
as filas dos hospitais
as crianças e suas cabeças estouradas pelas
balas que se perdem.

Igualdade social e dignidade para todos?
Não são nada perto do que seria ter pra mim
- úmidos e brilhantes -
todos os lábios da Angelina Jolie.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Faster Pussycat! Kill! Kill!


Vez por outra
(contra todas as possibilidades)
nesse Rio de Janeiro tão grande
dentro de seu minúsculo tamanho
a gente se esbarra.

Penso que se a vida é aleatoriedade
se a vida é um jogo de cartas
ele anda viciado nela.

Acho que poderia ir visitar o Tibete
que ela estaria lá
com seus vestidos cuidadosamente comprados
para ressaltarem seus peitinhos terrivelmente redondos
seu quadril de mortal amplidão.
Ela estaria lá
com aquele seu sorriso infantil e criminoso
fazendo os monges todos voltarem as
costas para Buda.

E eu viajaria de volta com a febre de sempre...

Mas um dia desses
- assim como quem não quer nada –
eu vou matá-la.
Num dia bonito de sol
vagarosamente e calado
prazerosamente
eu vou matá-la.
Porque esse mundo ma chérie
já começa a ficar pequeno demais para nós dois.

Sublime de Minas Gerais


Se há paz nesse mundo
distante de tudo
ela poderia estar aqui nesta casa.
Olho a minha volta e tanto verde me
faz imaginar que em cada folha de mato
em cada árvore e inseto microscópico por
estas paragens infinitas
repousa a mesma vida que está em bilhões de homens.
Uma infinitude de seres nascendo e morrendo
se autodevorando e se autoregurgitando a
cada átimo de segundo.
A vida não é rara como dizem:
a vida é tanta coisa no mundo inteiro
que talvez ela não seja nem mesmo uma ilusão.

E eu aqui poeta
tão transbordado dessa vida nessas
estradas mineiras
só sei sentir solidão.
Embriagado de tanta vida que
vejo e me invade
não sei porque não é a alegria que existe:
diante desse algo maior que qualquer coisa e
que insoluvelmente nos escapa
tudo é um mistério que quer me abismar.

Paulo Eiró


No final de uma rua calada
há um guarda-roupa vazio no
centro da solidão
há gavetas fechadas que guardam o
cheiro das horas afogadas
há paredes que se diluem como
tinta na água.

Eram dias inumeráveis e que hoje
- dentro da indestrutível memória -
parecem todos um só.
Eram tardes de sábado na voracidade
do computador
as noites solitárias morrendo na
morte dos livros
as manhãs de domingo doloridas da
ressaca que antecede o vazio da
última tarde antes do dia “útil”.

Minha mãe e suas novelas infinitas
meu pai regando o quintal
a rua comprida que ao subirmos
num dia de sol
forma um horizonte inteiro de paralelepípedos.

Por mais que os dias se sucedam infalivelmente
por mais que os homens mudem de casas
alguns dias algumas casas jamais
deixam de nos habitar.

Aparição


Nas costas nuas de uma mulher
-que saía de um bar na Sete de Setembro-
na cor
na textura da sua pele (que eu
supunha pelo olho tátil)
eu vi a tatuagem que evoluía pela
linha da sua coluna
desde o cóccix até a nuca e
lacrimejei dali até a Rio Branco.

O estar no mundo daquela mulher
me doía agudamente
aquele bar (com um mosaico representando a Lapa)
as ruas sufocadas do Centro
me rasgavam de lado a lado na
certeza de que
- de tudo isso –
só restou pra mim
o silêncio na beleza do cinema.