segunda-feira, 12 de julho de 2010

Noumeno Yin


O que ninguém pode supor
é que esse negrinho tatuado e
raquítico
não passa de pura aparência.
Nas horas vazias ele é uma mulher
que abre e fecha as persianas de
um quarto amarelado.

Ela que vive nua com a solidão dos livros
e que quase sempre se flagra
-cristalizada de melancolia-
na composição de um quadro de Hopper.

Estação 422


Quando Samantha
abria as pernas e me forçava
a encarar o desabrochar da sua rosa
eu me encolhia todo como sob
o jugo do olhar lacrimoso de
uma deusa raivosa.

E quando no ouvido ela
me sussurrava:
“vem meu preto
fode gostoso a sua branca”
eu morria de medo que ela
me despisse não das roupas mas
do meu íntimo inteiro...
um pavor agudo que ela soubesse
antes de mim mesmo
quem era eu de verdade.

É que ali
naquele cubículo sem janela e ventilador
eu era um garoto indefeso diante
de uma gigantesca esfinge ao avesso:
a vagina da Samantha
com seu hálito agridoce de gozo e urina
me fazia sempre uma ameaça velada:
“devora-me ou te decifro!”

A Solidão nos Lençóis do Varal


Os lençóis no varal são
o único indício de movimento
nessa tarde ociosa
onde tudo pára
onde tudo se sustém
menos talvez a força dessa música
que mesmo agora ainda
quer alcançar aquela musa que
anda diáfana mas que nunca se extingue.

Folhas verdes e vermelhas
(essa última cor a sua última cor)
casas empilhadas nos morros
(que vida acontece ali agora?)
é tanto azul no céu de julho
que poderia jurar que tudo
quase fica azul
(menos no colorido das fotografias do mural
menos no cinza das minhas vontades).

E de frente ao espelho me vejo e
o que vejo eu aprendi nos livros de escola:
não passa de cabeça tronco e membros...
mas é realmente isso que me contém?
é onde eu me caibo?
é o que reafirma perene o “eu existo”?

Diriam outros que isso aqui é um corpo
(talvez uns sentimentos vagabundos
talvez uma alma à venda)
mas eu digo que não:
eu afirmaria que isso aqui é
um maquinário de afetos
cujas engrenagens silenciosas operam
o milagre da poesia
e fazem meu coração cessar o tum-tum
e dentro dessa caixa torácica
se render aquela brisa sossegada que
embala a solidão nos lençóis do varal.