domingo, 23 de novembro de 2014

videogames

trago nos olhos o olhar de todos os cães de rua do
bairro, asilo no peito os vagabundos, os depressivos.
mulheres se perderam na água parada dos dias,
os jovens casais voltando do supermercado:
eu vivo a cor de um deserto que não cessa de se recriar.

é sábado a noite, a chuva ainda agora parou,
resta o silêncio que move o motor do ventilador.
e ainda teus rastros cindindo veios em brasa
pelas  estruturas do apartamento, a planta
da área de serviço ressecada de tanta sede.
e ainda as gavetas como bocas escancaradas
bafejando o invencível cheiro de amaciante e lycra
das tuas roupas íntimas que ali se entricheiraram.

videogames, cinema francês, monografias:
resiste a tudo a imagem da tua faca entre os dentes,
das tuas unhas dolorosamente pintadas dentre as grades do portão.


hoje o amor é esse feijão que cozinha na panela.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

quando este incêndio terminar,
venha aqui antes dos bombeiros,
e não atente ao meu corpo devastado pelo fogo.
procura pela casa ainda em brasa, uma blusa,
uma carta, um souvenir qualquer de mim.


deixa ali meu corpo aniquilado,
não se preocupe com a incandescência
revelando em minha carne calcinada as
marcas das tuas facas, dos teus dentes,
das unhas coloridas, dos teus beijos a queima roupa.


pega algum objeto do meu quarto, leva contigo:
ele será o ovo da fênix,
o meu eu triunfante sobre as chamas.
carrega-o pela tua história mesmo que amanhã
de manhã um novo amor despenteie teus cabelos.


vá embora sabendo que é teu o que possuí:
o que sempre foi o melhor de mim.


***

lembra de mim como alguém que amou te
olhar dentro dos teus vestidos coloridos,
lembra de mim como alguém que criava
mapas do tesouro no teu corpo e,
me agarrando as tuas costas,
sempre marcava com um xis a soberba
geografia da tua nuca descoberta.

sábado, 21 de junho de 2014

dizer não ao cotidiano, querer os dias do caixeiro viajante.
a pele incorruptível das mulheres da gávea.
aquele rosto eurocêntrico de 20 anos atrás
cindindo, hoje, a impiedade das avenidas.
o rosto, outro rosto, que envelhecerá comigo
através dos tempos burgueses.
a noite da zona sul, a neblina que não existe
dentre os prédios, invadindo as lanchonetes.
a tua voz grave me encorajando os pulsos cortados,
ou os faróis de santa rosa anoitecendo outro mundo.
a lapa (ah a rua da lapa), a cerveja, a urina
(fridas kahlos dentro da urina).
o encontro súbito, a solidão do televisor.
os cartazes dos bailes funk em madureira convidando
aos velhos crimes embebidos em álcool e vagina.
acordar cedo, a caneca de café com leite,
um artigo sobre fellini no incansável monitor.
estar em cada gesto de mão que acaricia,
de lado a lado, esta lua rubra.
derramar absurdos sobre a cidade me faria feliz.
as pastelarias encardidas, as manhãs mansas de pequim,
o toque dos dedos e dos olhos da mulher chinesa.
tão perto, mas não aqui: na distância só posso te intuir:
nas músicas que passaram, todas as outras que virão.
me perdendo em fábricas noturnas, casas abandonadas,
prédios de um século, quintais praieiros, e na geografia
errante dos teus braços.
bares de esquina, igrejas escuras sob a manhã.
a cidade a noite: um seurat de neon e led.
na cidade nada nos choca, nem a violência e
nem o amor: na cidade os dois se confundem.
as entranhas do subúrbio, vísceras do concreto mofado.
tu caminha, a pele limpa nestas calçadas sujas,
o teu cabelo num movimento pendular trazem,
como num enigma zen, saudades do que não se viveu.
mini shorts, minissaias, a brisa evola o cheiro
de sexo perfumado por urina e lycra.
helenas sob a luz de necrotério do metrô,
ou ainda sob o sol high definition de janeiro.
o anjo de klee, com sua cabeça torcida, bate suas asas
sobre estes dias do longe, e sente tristeza.
a meia luz quando anoitece, o odor lento
do piso de madeira, o tic tac do relógio incansável,
os quartos do apartamento na memória infantil.
as luzes de poeira e xenon de dentro
do teu carro pelas noites de sonho
(laranjeiras pulsa ainda que adormecendo).
blusa rasgada, barba por fazer, no bolso
alguns trocados, e teus convites querendo me
fazer bordar uma lágrima.

a vida se encurta em tempo e espaço, e eu
sou o grande charlatão, o amante,
o assassino de mim e do outro:
e este é um poema para quando não mais houver.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

inventário de ausências (ou das anticoisas que tu deixastes)

1) as fotografias que não dissolverão nunca
a tua imagem do tempo destes olhos

2) um ou outro fio de cabelo teu pelos lençóis,
que encontro como se encontrasse uma alegria

3) os brincos sobre a cômoda, e dentro
deles um desejo de que, como quem não
quer nada, tu os venha buscar

4) o vestígio da palma da tua mão na porta
do armário: o índice dos teus dedos frágeis

5) teu cheiro habitando na blusa que coloquei ao
lado do travesseiro e que, durante a sonolência,
quase faz parecer que estás aqui

6) um barulhinho de saudade naufragando
tarde adentro (pode escutá-lo?)

7) a fantasmática do teu corpo nu na varanda: a
miragem da vênus de botticelli fumando um cigarro

8) e um enigma: este corpo grande e musculoso

curvado sob o peso deste pequenino sentimento

oberon e titânia

fincou os pés no verão e fez
da estação o território da tua presença:
na cor de sangue do fim de domingo
escorrendo sobre os dois irmãos,
nas horas de literatura (a filosofia do amor):
no grande e no pequeno tudo és tu.

tua presença és isto ainda:
teu cheiro misturado ao óleo diesel
das ruas claras, teu cheiro naufragando
entre uma onda e outra dos lençóis recém lavados:
no infinito e no ínfimo tu estás.

e nestas ilhas de espera, dentro do
intervalo que se abre quando não estás ,
fugir das horas que insistem em gravitar
a volta do desejo do teu umbigo:
qual o afazer mais digno do que
levitar o pó destes livros,
sentir saudades tarde adentro e,
ao anoitecer, me abrigar de ti e esse teu
estranho vício de atear fogo em satélites?

eu, que nas noites acesas de janeiro,
te habitei no escuro, e não soube mais voltar:
pois que tuas clavículas são a coisa mais bonita da praia,
tuas omoplatas a coisa mais bonita da festa,
mas é sobretudo o teu rosto que me acalma, como o

sol acalma a varanda numa manhã sem trabalho.
por hora cansei desta humanidade.
ponho-me aqui, este cão a destilar a
alma das ruas concretas, a contar as
crateras das luas foscas de fumaça.

devo te confessar encontrar prazer na
solidão do uivo, no farejar insistente
das simetrias do meio-fio:
pode tu abarcar tanto abandono?
não te ofenderá a visão desta boca
cheia de dentes de onde pende
a língua desavergonhada?

não quero também as mãos: as patas terão
a impossibilidade de manusear mais estragos.
já me irrita a fala, a angústia de homem que,
em mim, sempre brotou fortemente:
quero a alegria vazia e pendular, sem
filosofias, de um simplório abanar de rabo.
só isso e um raro afago por dentre as orelhas.
mas me diga: tu pode perdoar, e abrigar em ti,
as pulgas que carrego pela vida?

e desviar de automóveis que vem e vão,
e nunca, ainda que sobreviva até a velhice,
entender a causalidade da chuva.

sentir o cio como um delírio ancestral.
mas caberá ainda o amor neste corpo peludo?
virá de uma esquina, de uma praça, de
sob as marquises mofadas e úmidas?
será grande ou pequeno, dócil ou feroz, o amor?

da existência de homem só guardarei
isso a que chamam de amor: a lembrança
do teu riso derrubando os livros,
a portaria do prédio na névoa do leblon,
o mísero osso que me jogaste, furiosamente,

através da sépia contraluz de tua janela.
desce o bordado lentamente,
cada fio, fiapo, dobra e poeira,
a trama microscópica do tecido ondula.

aos poucos,
como rosas que se abrem, via-lácteas explodindo,
cada mancha infinitesimal da tua carne faz aparição.
ainda cada sombra sobre os mínimos volumes musculares:
nos poros posso ver a ascensão dos pelos,
e neles enxergar a exalação lenta dos teus cheiros.

o instante me olha tão nitidamente que quase decifro,
no padrão da tua pele, o rosto dos teus antepassados.

mas voltar a si é voltar ao todo:
tuas costas nuas emergindo do casaco descendente,
violentamente afogando a gávea inteira,

na realidade incontornável das tuas omoplatas.
quando ela foi embora, catou laboriosamente todas as roupas, os badulaques inacessíveis, os fios de cabelo espalhados pelo chão. quando ela foi embora levou quase tudo, menos as peças íntimas, as camisolas: essas ela deixou submersas na gaveta, a última de cima pra baixo, pois havia decidido, já sem nenhuma mágoa, que de agora em diante dormiria o resto da vida silenciosamente nua. isso era símbolo e prenúncio de uma mudança de existir, uma troca de pele, um desancorar-se.  ainda não chovia aquela manhã, ainda não. iria chover mais tarde, pois ela acordou agarrada na certeza de que não havia felicidade ali, e isso desenhou a promessa de algumas nuvens no céu daquele quarto. e ele, triste e estranho como era toda vida, ficou ali, imóvel: uma relíquia de alguma civilização antiga recoberta de pó. tropeçando nos livros, desrespeitado pelas gavetas, o cômodo azul escuro:  um cheiro infinito, a possibilidade da mudez, e da criação delicada de várias espécies novas de solidão.
este poema é pra ti que me esquece,
grávida de narciso,
no contraste das fotografias.
pra ti, que se veste e se despe sem me olhar,
e não percebe que tua nudez é toda viva
e comigo troca olhares surdos.

pra ti que,
mesmo trazendo nas veias a pulsão orgíaca de teu antepassado,
ainda tem o disparate de sonhar com automóveis.
pra ti, este diamante bruto que lapido e contamino,
e que firo a pele escassa com minha delicadeza de canalha.

pra ti que lança a voz de clarice no vento do aterro,
a voz de hilda através dos abismo deste quarto,
pra ti que ri dos casais, que a eles trama histórias,
e sabe que isso é como um amar junto.

estes versos vulgares, rotos,
são pétalas postas ao chão por um poeta vulgar e roto,
pétalas úmidas de breu e gozo, pra ti que,
sobre a cômoda abandona a marca dos copos,
restos de cigarro e fósforos consumidos ante
ajoelhados deuses dos mortos.

este poema é um recado de amor pra ti, poeta do século XXI:
a cama posta (vestígios e indícios da tua insondável inteireza),
só quero te devorar pelo dia adentro,
passar a vida inteira comendo-te com língua e linguagem:
povoar a terra inteira com uma nova raça de poetas mestiços.
                                    (para keats)

longe de casa numa chuvosa
madrugada de sexta-feira
neste hotel de quinta:
a televisão ligada horas adentro
(filmes mudos, pornografia),
e as paredes mofadas secretando
um abismo lento que escorre
sobre os móveis antigos.

o frio, a lembrança almiscarada
das mulheres de cachecol e botas
que vi pela rua mais cedo,
uma sensação de estar disperso,
melancolicamente, na existência das coisas.

de olhos postos sobre o cinzeiro vazio
(o nome do hotel já se apagando),
pra quem nunca fumou, um desejo
de cigarro, duma garrafa de vinho:
quem sabe assim se sentir o derradeiro
poeta romântico comungando com o fim.

tudo conspira para que se viva de
forma acesa a experiência desta solidão.


(teresópolis, 09 de maio de 2014)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

pois que é um homem sem
sua parcela de silêncio?
aquilo que cala, aquilo que omite,
tem o valor das coisas secretas.

deve haver, nesse homem,
espaço para algo de desertor,
algo de amotinado:
rebelar-se é um estar só.

e o que resiste é o insondável:
um homem deve ser o
seu próprio mar noturno.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

e acordar nesta manhã de domingo
sentindo tuas mãos brancas, suadas,
como um aracnídeo albino, tentando
violentamente sufocar as batidas deste
coração ralo, e num sobressalto ligar o
rádio no último volume assustando os
vizinhos e implodindo a lentidão da casa.  
e sorrateiramente, o cheiro de café
esbarra nos livros e ele traz em seu
rasto o odor de nicotina que não existe,
mas que era o que escapava dos teus
dentes  junto as músicas que só nós,
os dois sobreviventes do pós-amor,
conhecíamos.

nunca gonzaguinha, com quem o rádio
me golpeia sorrateiro, soou tão triste.

me pôr a jogar furiosamente as
roupas do armário sobre a cama,
pelo chão inteiro, e entre o mar revolto
das camisas, das calças, das cuecas,
meias e lençóis, se permitir a calma
de um copo de leite, que tomo como
o desjejum de um soldado, que nas barricadas,
sabe que pode morrer longe de ti,
com alguma carta ríspida endereçada a ti,
dobrada, manchada de sangue e pólvora,
no bolso enlameado.

mas a calma passa, as balas não chegam,
meu exército ao teu ergue a bandeira branca.

rearrumar as roupas em outra ordem,
silencioso, numa hora em preto e branco,
como um ator de cinema mudo, engolindo a
poeira das prateleiras que me fazem tossir
estes ciúmes amarronzados que me irritam
a garganta e fazem meus pulmões rolarem
por abismos que crio, como crio as cores
estroboscópicas da festa onde não pude ir
com medo de aumentarem os desertos.

e olhar as camisas todas dobradinhas,
as bermudas nas gavetas onde guardei
tuas clavículas insones, e achar que está
terminado o trabalho de um século, este
trabalho que calou a voz de todos os poetas,
aqueles que mostrei a ti, e os que não
mostrei, por não haver tempo de viver
a voz obscura e amorosa de todos eles.

pois tu, foi este pedaço de perda e de dano,
e com estas unhas descascadas,
estes caídos olhos saídos de um quadro de modigliani,
foi um pássaro numa paisagem impossível,
um samba antigo numa casa amarela,
tu foi um samurai infalível fatiando a carne
barroca e acesa do verão (o verão sangra azul).

fechar o armário, as portas de correr como
as cortinas de um palco onde dancei
sob a chuva torrencial dos punhais que tu
usava para fazer os coques dos teus cabelos afiados.
e se dar por satisfeito por ter arrumado este
guarda-roupas entristecido e, me olhando nu,
no reflexo fílmico destas portas,
enxergar o corpo ainda intacto:

isto é querer sobreviver a ti.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

invasões bárbaras

andar pelo quarto pequeno, este
quarto que muitas vezes serviu de
descanso, e agora não o reconhecer mais.
sacar um livro da estante e ouvir a
parede de livros dizer não querê-la
aqui: é um modo do poeta estar só.
as teias de aranha cresceram numa
única noite e, ao menos por hoje,
adeus aracnofobia.
o pó recobre a cômoda, o violão desafinado,
a luminária que não acenderá mais...
as gavetas emperram: e agora, onde guardar
tuas clavículas?
e rodar desnorteado a casa em escombros,
bombardeada, mas ainda de pé, e saber
que mesmo assim, mesmo desertas da tua
nicotina, copacabana permanece ilesa, a lapa
intocada.
recolher as contas a pagar na caixa de
correio; elas chegam pontuais, não supõem
a tristeza: “as coisas não precisam de você”.
receber convites pra dançar, é verão
tudo é jovem, e nem ao menos os poder responder:
o teclado do computador trava, o telefone está mudo,
as canetas falham miseravelmente.
as portas não abrem, as janelas dão para lugar algum:
não há gatos apaixonados aqui, com seus miados
de amor e suas cores trocadas.
o que há aqui é esta barba crespa que
cresce em tamanho e desejo do emaranhado
dos teus fios de cabelo recém-escovados.
o que há ainda aqui são estas duas mãos,
estas unhas roídas que expõem a ansiedade de,
até o amanhecer, esquentar os teus dedos.

tentar, num filme de truffaut, entender
toda esta aridez dentro de ti, já que as fotografias
te contrariam: denunciam friamente que teu
rosto é tão mais bonito sorrindo.
(mas nem truffaut, nem truffaut!, pôde responder).
e rearrumar o armário, as prateleiras, e no
entanto encontrá-la escondida ali, esbarrando
na realidade, atrás da caneca de café,
a arma em punho, o cano na minha têmpora.
surpreende-la gargalhando por detrás da
televisão, a boca aberta, todos os dentes
prestes a mastigar meus tristes joelhos.
no espelho do banheiro são teus olhos
caídos, teu corpo de golfinho, minha carne
escura onde escreveste “alguém vai ler”
com ferro em brasa.

e na varanda me vem a vontade de incendiar
todas as casas do bairro, e te maldizer em cada
uma delas, a tua insensibilidade: não havia
medo no acariciar das tuas clavículas,
havia amor, o que é bem parecido.

***

quando dançamos sozinhos, no meio
da fúria do calçadão do leme,
não havia dor ali, havia?
te ofereci a chuva jovem poeta:
você poderia viver a tua tristeza na
distância e seca, ou poderia trazê-la pra
dançar dentro de um dia de chuva.

o crime é não me deixar tentar:


molhar essa tristeza, despentear essa dor.

na existência da madrugada

as 5:29 da manhã,
a foto onde tu expões tuas clavículas
sob a primeira luz,
cruza sobre os prédios como um raio
e parte ao meio a existência da madrugada.
ponho-me pequeno diante tuas tristezas:
uma gota contra todas as correntezas do mundo.

e dedico as horas assim,
neste trabalho de dor,
atirando em ti as flechas que arranquei
do próprio colo, para ter de vê-la
congelá-las em pleno ar...
coloco-me em saudade dos teus seios,
estes oceanos para onde traio meus navios,
os enviando para a certeza do naufrágio
(no entanto, navegar os lábios pelos teus
ombros, pelas tuas omoplatas e coluna,
é uma silenciosa tentativa de fazê-los resistir).

e já nos afazeres da manhã partida,
encontro teus cabelos nas roupas pra lavar:
fios de inverno no dentro do verão.
pondo o lixo pra fora olho o céu absurdo
e creio na impossibilidade de continuar ateu:
tu não sabe jovem poeta,
mas no território das nossas noites eu vi
brotarem terríveis e magníficos deuses
de cada parte do teu corpo.

domingo, 26 de janeiro de 2014

hotel marina

queria ao menos destes dias,
um diamante, uma pedra que seja.
uma pedra com a forma destes dias,
com a textura destes dias,
com o peso, com o cheiro destes dias.
para que ao exibi-la pelos bares,
nos salões, pela ruas do centro,
todos pudessem contemplar nossas horas
e dizer maravilhados:
“então além de poemas este kavita kavita
é capaz de criar dias de paixão assim?”
e então você não seria mais a sombra
e uma brisa, você dissiparia seus medos
na chuva das pequenas fotografias.

um primeiro abraço sob a luz fria do metrô,
o rápido por do sol sangrando a praia e tuas clavículas,
teu corpo nu entre as cortinas amanhecidas,
teu sono de criança sobre o meu colo:
este poema sou eu, a caixa de imagens, um relicário.

quando eu morrer estes instantes
se extinguirão de qualquer memória,
mas estes versos ainda resistirão
nas páginas de um livro, inscritos
em algum lugar, onde as gerações futuras
poderão lê-los e saber que poucas
coisas na face da terra puderam ser tão
cruelmente delicadas do que te ver
sorridente, com aquele vestido verde,
descendo lentamente as escadas do prédio.

sábado, 25 de janeiro de 2014

forte de copacabana

como se fosse uma fotografia,
toma em tuas mãos as dimensionalidades
do dia: amassa-o, rasga-o, e joga fora.
depois daqui jovem poeta, talvez,
eu pare de te assustar.
cultiva tuas desatenções nos
desertos do meu desejo,
eu, esta terra desolada de ti, esta
solidão sem nome e profundidade.
tu, apenas tu, que deitada sobre
a pedra, sob a sombra dos canhões,
diz ver o céu mais próximo do teu corpo-praia,
sem notar o poeta mais velho admirando
teus pés brancos fincados sobre o chão
escuro como minha própria carne.
olha, meu coração é frágil como um
filhote de gato, como um beijo de boa noite,
e a ausência do teu mais fugaz olhar,
o esconder-se do mais ligeiro toque
do suor das tuas mãos pequenas,
o coloca em apnéia.
tu que, ao dormir com a cabeça em
meu colo, não soube que ali, aquela hora,
afagaria teus cabelos até pôr estes dedos
em carne viva,

pois que nada (nem mesmo a noite
de verão em copacabana) tem
o teu rosto tão bonito.