terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Poema de Ano Novo


Um ano a mais é carregar um peso a mais...
Minha vontade já não consegue
mais se entregar a qualquer demonstração
de furor juvenil.
Quase nunca me dou a alegria de simplesmente dançar,
sou uma criaturinha forrada de jardins agridoces,
e tenho irrigado o meu DNA com chaves de ouro
de poetas malditos.

E na língua que espiralava em outra boca,
e nas mãos que seguravam um outro rosto,
eu vislumbrei um triste e bonito deja vu...
e invernei saudades do sabor alcoólico do perfume
que eu lambia da sua pele,
e convulsionei na falta do nosso sexo ardendo inseparáveis
dentro da alma da noite.
E se desejei outros corpos sob a chuva,
foi porque não acredito mais em deuses do amor...
e nem em nós dois.

Os fogos de artifício estouraram mudos
nos ouvidos do ano que morria,
champagnes arautos de alguma centelha fugaz
de alegria verdadeira,
e meus amigos unidos a rostos estranhos
se dando a permissão de serem felizes aquela noite ao menos.

E voltei p’ra casa na chuva incessante
do dia que se esforçava p’ra sangrar alguma primeira luz,
e fui dormir atado aos intrincados mecanismos
do meu pensamento.
No primeiro dia do novo ano,
não sei porque,
me alvoreceu uma melancolia repentina e doída,
que celebrei fazendo de um CD do Caetano
uma liturgia pagã entoada em sua honra!


(Nas primeiras horas de 2007)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

24 de Dezembro




No Centro em dia de Natal
estão presente todos os sons:
passos de sandália
folhas caindo
outdoor elétrico.

O Centro em dia de Natal
é tão ausente de movimento,
que descubro o bem-estar de uma
solidão ao me sentir ser o
único sobrevivente em meio ao
silêncio de uma cidade pós-apocalíptica.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

O Desejo como Coisa-Em-Si do Mundo(Ou Poema Para um Filósofo Alemão do Século XIX)


Basta a aparição de uma beleza
assaltar o meu olho
que eu me torno inteiro olho.
E então o desejo se ergue imponente
e rufla as asas e
estufa o peito e se lança com a
velocidade de uma flecha sobre o alvo.
Mas a milímetros de tocar a pele da coisa
ele se detém!
E suavemente qual um lençol ele
se estende e acoberta lentamente
o objeto contemplado...

É um momento de solidão o
que se revela
pois eu sou só com tudo o que vejo...
E é no silêncio do instante que eu percebo que
apenas existimos na coisa que desejamos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Singelo Poemeto



Para um primeiro amor que nunca vai lê-lo



Eu tinha 13 anos e o nome dela era Mirna.
Não sei porque sempre achei que
esse nome combinava com os seus olhos verdes.
Naquela época as meninas dessa idade
não eram essas mini-mulheres de
hoje em dia
elas eram mais parecidas conosco
os moleques
(até seu cabelo curto era de menino).

E foi com ela a primeira vez que tive febre
(nunca poderia supor que passaria
pela vida desde então sentindo uma
febre atrás da outra).
Mas eu era uma criança ainda e não
sabia o que era aquilo
achei que a morte se anunciava em cada coisa
-quando ainda não se entende o conceito
de amor é que sabemos que a sensação
dele é quase igual ao da morte-
mas a verdade é que pra mim a Mirna sofria
de um excesso de beleza que alimentava a
fome do meu olho e roubava a
fome do meu estômago.

Lembro da vez em que roubei sua borracha
e ela mordeu minha mão para
tê-la de volta e eu me apaixonei pelo gesto
e me encantei com o cheiro da sua
saliva nos meus dedos:
eu ainda não sabia o que era aquilo.
E quando nos escondendo no quartinho de entulhos
ela me deu um beijo e saiu correndo
e eu morri e voltei e morri e voltei
um animalzinho paralisado e tremendo de medo:
eu ainda não sabia o que era aquilo.
Mas quando no último dia eu olhei do portão
sua mãe a levando embora pela mão
até a esquina que a fez sumir
que eu conheci a indescritível sensação do
que é perder alguém no mundo...
e só aí então eu soube o que era aquilo:
só tive a ciência do que era amor depois do primeiro adeus.

Mas isso foi a 15 anos atrás e
de lá pra cá nunca mais pude supô-la...
só que nessa lenta noite de outubro me
veio uma vontade irresistível de apenas
saber se ela ainda está viva
se ela ainda está bonita e se é feliz.
Mas no amargo da impossibilidade só me
resta parir esse poema como se fosse uma prece:
um desejo absoluto que esteja
onde estiver ela possa dormir dentro
de um moroso acalento bom
e que estranhando a sensação da hora
ela nunca sequer imaginará que eu descobri
que desde a minha infância ela deixou
um sentimento escondido aqui
essa matéria-prima que empresta
força a esse poema feito para
ao menos por essa noite
guardá-la de qualquer cansaço da vida.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Do Adeus


Para o que se amou e partiu
não se dá adeus uma única vez
o adeus é quase um exercício diário:
cada lembrança cada poema para o
que se amou e partiu
é um novo adeus.

Eu passo pelos dias dando adeuses.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O Zahir


Uma fotografia cortada e
desfocada do seu sorriso:
uma fotografia mal tirada é
o que ficou.

Esse sorriso que vez ou outra
quando eu encontro em
uma estrela de cinema americano
me golpeia por dentro com
punhos de boxeador.

Sinto que o que ficou impresso no
suporte fotográfico também
se gravou ad eternum na
substância retiniana do meu coração.
olha galega é que a primeira vez que me apresentaram ao seu sorriso eu mal podia imaginar que você viria a ser a minha fermina daza, a minha lou salomé com chicotinho, a minha elektra natchios com adagas sai, a minha intocada delgadina, a minha indistinta jeanne duval, os ossos da minha beatriz viterbo, a minha shabart gula na fotografia. e só posso lembrar e achar lindo, lindo e triste, de quando eu te perguntava porque você sempre dava pra trás na hora agá, e aí você ria aquele riso que era só seu, aquele abrir de lábios e mostrar de dentes que era uma arte, artifício, artimanha, que só você sabia fazer e que só servia pra anunciar a sua confissão triunfante: de que o maior prazer na sua vida era me provocar.
Para Arnaldo Antunes

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Aparição de Uma Beleza


Para Baudelaire

Ela parecia:
1)ter saltado de um
encarte de revista de moda
2)ter se destacado de um
outdoor de loja de roupa
3)lembrar uma princesa medieval
de um filme hollywoodiano
4)o ensaio do mês de uma
revista moderninha...


Duvidando da visão
olhei para todos os lados e
percebi que
como se só eu pudesse a ver
nenhuma das pessoas dormentes
olhava em direção a ela.

E foi quando na sua duvidosa concretude
ela se levantou e foi embora
eu concatenei e cheguei a conclusão de que
ela talvez não fosse nem mesmo a
carnação de uma imagem
que ela talvez não fosse nem isso...
ela ali
tão para além do que é uma beleza do cotidiano
bem que poderia ser a representação impalpável
de uma idéia pura.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O Poeta Não é Nada

As crises dos amantes e
seus términos de relacionamento
soam como o fim do mundo.
Mas o que são as mazelas da
paixão perto de quem na sarjeta
morre de fome?
O que é uma briga de namorados
perto de quem espera a morte se esvaindo
de dor num leito de hospital?

E os poetas?
Essa raça de vagabundos que
se acham melhores que os
outros só porque mentirosamente
dizem amar mais
fingem que vivem mais intenso...
Qual o quê!
O que é a poesia perto dos que
saciam os que tem fome?
Dos que se arriscam para
salvar uma vida?

Uma mãe que passa a noite em
claro pelo filho doente vai para além
da beleza e do esforço de qualquer
poesia
ela sim é maior!

O poeta não é nada.

Eu portanto não sou nada e nunca poderei
ser mais do que isso.
E esse é o meu quinhão.
E isso é o que me convém.
Só me resta passar pelo mundo como
passam todas as coisas
não querendo deixar nada mais que
um punhado de versos e os golpes da
saudade em alguns corações.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Me apropriei dos versos da poeta Joana, e publico aqui pela primeira vez algo não meu, que travando um diálogo poético com o meu "Rito de Solitude", me vestiu com mais um maravilhamento entre tantos que tenho quando me alimento dos seus escritos...

É Luis,


mulheres cortam os cabelos
e se deixam emagrecer


escutando verdades insuportáveis na voz da Bethânia, da Ro Ro, da Adriana....


Ela
esvazia gavetas recheadas de memórias
muda os móveis de lugar
lava lençóis, pinta paredes
e se desfaz das roupas que não pretende mais usar


Está assim...
Passando como quem tem pressa
Vivendo como quem não espera
despindo-se como quem sente frio
e derretendo no calor do Rio


Na verdade está
promovendo um belíssimo ritual de limpeza..
repensando a forma de pensar
escrevendo versos, cultivando flores, acendendo incensos.
deixando o novo entrar...

(Joana, 08/11/2009)

domingo, 15 de novembro de 2009

Lughnasadh


O verão apenas se anuncia através do
calor insuportável de Novembro
mas ele grita já aqui dentro da minha
vontade o seu chamado às armas.
Tudo reluz sob o céu e a cidade ganha outras cores
tudo é desejo de azul...

O mar dos fins de semana e os calçadões
o sol das manhãs pelas ruas do subúrbio
e essas mulheres tão meninas e as
meninas tão mulheres e seus vestidos leves e
seus shortinhos e seus óculos escuros e
suas tatuagens meio exibidas
desfilando imponentes dentro da claridade das horas
essas mesmas horas que me convidam as
praias e as cervejas e as mesas de bar com os amigos.

Mas o que distingue o verão é o segredo que esconde:
todas as coisas só servem para trazerem
em si guardada a eletricidade do carnaval.
Cada passo e sorriso e embriaguez e sexo
é uma caminhada para fevereiro:
tempo de alegria e de saudades
tempo onde absolutamente nada nos mata.

O verão é a época das libações ao deus Corpo
-esta única e última divindade verdadeira-
e já escuto se erguer aos poucos o
altar das sensações e dos sentidos
onde celebrarei com música e poesia
toda essa a alegria angustiada e desmedida
de ser como Dionísio entusiasmado.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

De Outro Tempo


Quando dei por mim estava
a minutos perdido no rosto do
motorista do ônibus.

Cada ruga em sua testa
seus olhos caídos lhe emprestavam
uma expressão triste.
Mas ele tinha uma cara antiga
uma morena feição clássica que
pensei por um momento que aquele
poderia ter sido o rosto do meu avô.

E me surgiu uma nostalgia estranha
ao contemplar aquele rosto...
imaginei aquele senhor de terno e chapéu
caminhando pelo Centro e a
cada passo que ele daria tudo
se acinzentaria
(porque acho que as fotografias nunca
foram em preto-e-branco
o mundo é que era)
por onde ele andasse a paisagem as
suas costas se reconfiguraria e de repente
todos nós estaríamos de volta ao
Rio de Janeiro da década de 30.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Manhãs de Primavera


Nesta manhã imensa até onde
será que se estende todo esse azul?
O sol acoberta e reluz nas
coisas que passam e que ficam
(alguma coisa fica?).
Tudo traz um gosto de mar
tudo é uma estranha nostalgia de praia...

Penso que a esta hora um
antigo amor deve estar passando
a farda para ir ao quartel
e que um amigo deve estar sorrindo
aos primeiros clientes do banco
e só eu aqui lançando meu olhar
-que é tudo o que sou nesse momento-
através da vitrine em meio ao
movimento incessante da 7 de Setembro e
percebendo que as pessoas apartamentos e letreiros
nenhum deles é próprio da manhã.

Só o coração do poeta estranha a hora e
sabe que a sensação nada mais é
que uma ligeira saudade de
ser diferente de tudo que vê.
Uma pura vontade de voltar a
pertencer ao azul das manhãs como essa.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

De Volta P'ra Casa


Através do vidro de chuva do ônibus,
na luz amarela de chuva no asfalto,
pelo olhar da chuva nos faróis,
eu voltei...

Com a cabeça pesada
tombada sobre um punho cerrado,
quis ir até o ponto final,
quis ir até o final...
queria porque queria, que aquela viagem
não acabasse prematura.

Através do vidro embaçado, eu embacei...
quis chorar no vazio do ônibus.
Sexta-feira,
noite fria,
chuva,
Gal Costa no MP3...
Quis chorar.

Subir a rua vazia e todo ensopado,
foi tão etéreo e tão bom,
foi quase como morrer.
Tão etéreo e tão bom:
uma rua escura e deserta,
a luz amarela nos paralelepípedos molhados,
e no ouvido a Gal cantando só p’ra mim:
- Eu te amo!

Quase como morrer...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Dia de Outubro



Arde um sol azul e amarelo,
parece um dia de verão que se perdeu
no meio da primavera,
e me flagro percebendo que já começam a reaparecer
antigas ânsias do mundo.
Tudo se esvazia novamente,
olho em volta e a realidade se incompleta aos pouquinhos,
como um quebra-cabeças que vai se desmontando lentamente,
indo vagarosamente do ser ao nada...
Talvez viver seja isso:
querer esse algo que sempre nos escapa,
passar os anos sem ter fundo,
nunca conseguir se bastar com coisa alguma.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

desperta
segunda-feira:
chuva nos tons escuros
cortina voando
cachorro dormindo

café p’ro trabalho
duas colheres:
uma de açúcar
outra de
tédio

música
p’ra acordar movimentos
p’ra adormecer
tristezas

em cinza a
semana adentra
e
eu
afora

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Lullaby (a partir de uma discussão freudiana)


Em um daqueles nossos sábados azuis
tocou The Cure no rádio do carro dela
e aí eu disse:
“Taí uma música deprê
uma música pra cortar os pulsos...”

E ela com aquele sorriso malicioso de moleque
-aquele apocalipse de 6 ou 7 segundos-
respondeu:
“Que nada! Essa música é boa
pra outra coisa...
essa música é boa pra foder!”

E naquela noite acabamos transando ao
som do Cure...

Hoje
3 anos depois de tudo
no meio de uma madrugada que não dorme
essa música me pega de surpresa no rádio
e a memória do desejo adensa de
nostalgia a hora.

Eu tenho certeza de que ela não está
escutando essa música agora
mas se a conheço bem nesse
instante ela deve estar trepando por aí.

Antes éramos nós dois nossa canção
e o nosso prazer
mas como sempre acontece
quando acaba
as mulheres sempre se dão melhor:
eu termino ficando só com as canções e
elas vão encontrar outros prazeres...

Bem...
pelo menos mantive o Status Quo.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Malabares


Malabarista do trânsito toda sujinha
seu cabelo em pé
o rosto mal pintado e
a tinta escorrida de suor lhe
empresta essa cara de palhacinho triste.

No sinal fechado se
abre a janela do carro lustroso e
eis que se arquiteta a imagem:
pelo vão se debruça uma outra menininha
só que dessa vez de porcelana
(seu pai não aparece através do vidro escuro)
e que tem a mesma idade que a malabarista
mas no entanto não a convida para brincar de boneca
não desce do carro para aprender esse
divertido truque de bolas da malabarista:
tudo que ela faz é lhe entregar o cachê do show
e ir embora.

Elas poderiam ser amigas de escola
mas ali
entre os carros fugazes da Avenida das Américas
não há infância possível para a malabarista
tudo reafirma a impossibilidade dela partilhar a
mesma realidade da menina que se foi no carro.

E ela vai continuar sua arte
(que é mais de sobreviver do
que circense)
até que se extinga sua inocência e
o seu caminho mude ou termine.

Estranhamente como um símbolo de tudo
me vem o pensamento de que
a malabarista não dançará seus
15 anos de sapatinhos novos
o seu quinhão
será sempre aqueles pés descalços
enegrecidos menos pela sua cor
do que pela sujeira e pelo asfalto quente.

domingo, 18 de outubro de 2009

Rito de Solitude


As mulheres cortam os cabelos.

Limpar o quarto nos domingos de
manhã tem o peso de um ritual.
Arrumar o armário tem suavemente
a melancolia das coisas que mudam
abrir as gavetas é trazer a tona
coisas esquecidas
cartas e fotografias e poemas e lembranças
que sempre voltam a deixar de existir na
desmemória das gavetas fechadas.

E no rádio a Bethânia cantando
algumas verdades insuportáveis.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Desencanto


Todo dia pela manhã a mesma
cara no espelho que a sonolência
nem me deixar ver.
Todo dia à noite o mesmo filme que
o cansaço só me permite ver os
primeiros vinte minutos.
No intervalo disso se tem
o mesmo trabalho:
um expediente inteiro de tédio.

Todo dia essa atrocidade
inabalável do cotidiano.

No ônibus pela manhã
Bukowski me diz que a vida é
uma merda portanto
aceite essa bosta:
caia nas orgias e se embebede
até morrer.
Mas a noite na cama
Schopenhauer também me
diz que a vida é uma merda
porém devemos nos elevar:
sejamos um santo ou Buda.

Sinceramente não sei o que fazer...

Pelo menos eu concordo com
os dois no fato de que a
vida é realmente uma merda.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Mar


Hoje fui ver o mar.
Precisava da experiência do mar.
O mar é indizível
o mar não se importa com os homens
o mar nem sabe dos homens...

Nele tudo é apenas força
força imensa quebrando na terra desde
antes de qualquer possibilidade de memória.

É por isso que quando a onda se
choca contra o meu peito
ela impregna o mar em mim
prende em meus poros suas partículas
invisíveis de água e sal
e é como se eu passasse a carregar no corpo
essa divindade antiga e azul através dos
cinzas desgastados do subúrbio.
É como se eu trouxesse em mim
um pouco de oceano p’ra casa.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

I

as
cinco da manhã
a mariposa do tamanho de um morcego
que adentrou o meu quarto
bateu as asas ensandecida
não me deixando mais dormir

mas a gota d’água foi que ela
teve a insolência
de me perguntar no maior alvoroço:

-luis
por que tanta amargura
se ‘inda és tão moço?


II

um barulhão no meu telhado
fui ver
era um anjo de asas feridas
me sussurando em dissabor:

- ei luis
agora somos dois os caídos de amor!

domingo, 20 de setembro de 2009

RAPAZ SOLTEIRO PROCURA
uma dor para relacionamento sério
sem preferências quanto a tipo ou intensidade
contanto que seja uma dor honesta e que goste de doer
dores interessadas não precisam ligar
podem vir sem avisar

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Bílis Negra


A chuva repentina sempre traz vicissitudes.
Quando o vento rodopia as folhas mortas
no seu balé louco e triste,
alguma coisa em mim também faz ciranda inquieta e silenciosa.
Meu caminhar pelas ruas é célere e invisível,
como se eu fosse um Hermes, um andarilho do vento.
Eu amo essas chuvas como se eu fosse o próprio deus da chuva,
e trago em mim tanto Outono,
que já não sei mais brotar flores e nem dar frutos...
Eu te carrego inteira aqui dentro,
muito mais inteira e completa que minha própria vida,
nessas simples e únicas horas de melancolia,
que no saldo final,
tem muito mais peso que dias e dias de alegria...

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Zeus e os Deuses da Chuva


A chuva deserta as ruas.

Através do vidro embaçado
tudo é só impressão.
os faróis vermelhos
passam em fosforescentes riscos rubros:
cortes precisos sangrando a pele negra da noite.

Girando em fila um balé de guarda-chuvas,
guarda-chuvas que não foram feitos p’ra chuva guardar,
guarda-chuvas que foram feitos p’ra da chuva esquecer.

A luz do poste numa poça d’água
é um simulacro amarelo de alguma lua triste
pela sua artificialidade sem crateras.
Abro bem os braços esperando raios fulminantes,
mas os raios não vem...
Aguardo um clarão repentino,
o estrondo sonoplástico de chapa metálica.
Mas só tenho o barulho da chuva,
em sua eterna e apolínea obra
de arrumar o caos do silêncio escuro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Vontade do Mundo


Tento ler Casares mas não posso ficar
alheio as ruas noturnas do Centro.
Fecho o livro.
Não consigo passar ileso a estes
lugares que sempre trazem tanto dessa
nostalgia sem fundo e nem origem.

As crianças jogam bola nas
ruelas sem saída e as pessoas assistem
suas novelas nos casarios decadentes.
Os bares de esquina me secretam noites de boêmia
com suas luzes pálidas e sambas antigos.

Me incomoda também sentir na nuca a
pulsão de beleza com que me golpeia
a menina do banco de trás.
E ela desce no Estácio.
Eu já sabia.
Tão linda assim só poderia descer
no Estácio.

E é como se eu já tivesse vivido aquilo tudo
como se cada coisa fosse um pedaço
meu que vai ficando pra trás e me esvaziando
cada vez mais do pouco sossego.

Tudo gravita numa saudade estranha de
pulsar em cada molécula de cada coisa
que existe entre a Rua da Lapa e a Dias da Cruz.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

9 de Agosto


Hoje
depois de um ano exato que
a Nala morreu eu ainda carrego
no meu olhar aquele último olhar dela
antes do sacrifício na mesa do veterinário.

Era um olhar pleno de tristeza
como nunca vi.

- Ela sabia o que iria acontecer e deve
naquele momento
já ter sentido saudades... -
disse meu pai com sua sabedoria
de homem simples.

Percebi que aquele último olhar foi
ela me entregando as saudades
que não poderia levar para cova.

Fiquei com a saudade dela presa a mim
ao descobrir que o último olhar
de quem morre é o ato por onde toda
saudade escapa para continuar pelo
mundo habitando outras vidas.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Carne e Espírito


Enquanto a senhora do meu
lado faz o sinal da cruz ao passar
em frente a igreja
eu me pego vidrado na bunda da loira
que passa na calçada...

E quem dirá que eu e a senhora
não fazemos a mesma coisa?

Afinal o desejo também é acreditar
em algo que não se alcança
desejar alguma coisa também é
a seu modo
professar uma genuína forma de fé.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A Saudade


é amarela e
tem gosto de Dipirona.

Quinhão


Pela manhã os desabrigados
da Buenos Aires guardando seus
lençóis imundos em caixas de
televisão de LCD.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Quebra do Juramento dos Horácios


“Ô crianças, isso é só o fim, isso é só o fim”
-Marcelo Nova

Todo dia o mesmo escovar de
dentes a mesma cara no espelho
que nem vejo entorpecido de
tanto sono e de tanto tédio.

Não esperava ver meus amigos assim
todos quietos com suas namoradas
todos velhos já aos vinte e pouco
(na verdade sou eu que os vejo assim).

Antes estaríamos a caminho da Lapa
rindo e bebendo e contando
histórias e criando expectativas...
agora paira um silêncio no carro
enquanto eu no banco de trás
me flagro na melancolia de enumerar
as características da arte neoclássica.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Duas Tristezas


O silêncio é um sintoma da tristeza.
Eu sou o rei melancólico,
por isso assim entronizado neste castelo de silêncios.
E apesar do silêncio dela ser de uma essência diferente da minha,
a postura melancólica que a veste é tão igual,
que como um Narciso calado,
eu me apaixonei pelo seu rosto cabisbaixo,
tombado com todo o peso do mundo,
sobre o delicado da palma da mão.

Enquanto os outros se apaixonam por sorrisos,
pela tal da “alegria contagiante”,
eu navego no contrário da maré,
vidro no sem graça ao sorrir,
no encolhimento do corpo dela,
no seu ensimesmar soturno.
E no fim das contas, é até bom que seja assim,
esse algo meio platônico:
Afinal, acho que dois tristes enamorados não poderiam dar certo...
Imaginem só que trágico:
a minha melancolia mais a dela,
uma melancolia ao quadrado,
acabando por fazer nossos filhos já nascerem tuberculosos!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Ex-nihilo


No banco do ônibus me amanheceu uma vontade de sono,
de um sono estranho, que nem deveria existir,
mas que nascia na força das coisas vãs,
na sensação constante de inutilidade.
Nessa época de volta às aulas,
a consistência do marasmo cotidiano só é partida
quando meu entorpecimento se rompe no desejo das pernas da normalista,
nos seios ainda imberbes da menina do Pedro II...

Para pagar a passagem, de dentro da carteira,

entre flyers de desconto em motéis e puteiros,
eu saco a última nota de um medíocre salário,
esse prêmio recebido por um mês inteiro de tédio suado,
um fútil consolo por trinta dias de não-realizações.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Literatura Noturna


I
Nem tudo o que se escreve é para ser lido. Que mão dolorosa escreveu nos seus lábios essas frases absurdas e que eu já sei de cor? Queria uma noite líquida p’ra justificar este sofá, esta lâmpada fraca, e este tédio derramado sobre a folha de papel. E já que o desassossego anda tão em voga ultimamente, queria sua voz ao telefone só p’ra fortalecê-lo um pouco mais. Na tarde do Sábado que passou, as ruelas do Centro contorcendo-se em meu pensamento, nem amigos, nem amantes, só um nome. Um nome igual ao seu, igual a tantos outros, um nome que a chuva escorria nos vidros dos carros. E te chamarei de fogo, se fogo você continuar insistindo em ser, e te chamarei de saudade, se você conseguir apagar a sua presença gravada em água-forte pelos negativos do meu cérebro.

II
Nem tudo o que se escreve é bom o suficiente. Vejam a vida dos homens, por exemplo. É um livro que o Destino escreve e, p’ra nosso desespero, o Destino sempre foi um escritor de quinta categoria. Se for p’ra sofrer, soframos como no cinema! Que seja magnífica a dor, poético o drama, que tudo seja exibido em tela grande e que nossas lágrimas sejam aplaudidas no final! Ora, que ganhemos então o Oscar! Mas esse autor de merda que é o Destino só reforça nossa pequenez, nos faz parcos figurantes nesta atroz comédia universal. E é o único a gargalhar das próprias piadas sem graça...

III
Nem tudo o que se escreve deveria ser. Em respeito a isso, vou parar aqui então. Ia escrever o que não se deve.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Lapa


As luzes pulsam jogando prata e
laranja sobre a grande babilônia.

O vinho é amargo e sempre entorna
quando o efeito dele faz constatar que
a Terra gira realmente.

Os travestis olham os caras esperando
por um chamado que não virá
e eu vejo que o olhar deles é o
mesmo olhar que esses caras lançam
p’ras meninas universitárias que
passam flanando de um lado a outro da pista.

Na madrugada os postes acendem os
paralelepípedos molhados:
na rua da Lapa às vezes chove...
na Joaquim Silva às vezes um amor
que a Mem de Sá deixa p’ra trás...
e entre um riso e outro
uma saudade e mais outra
tem lugar alguma filosofia de bar.

E ali
bem no meio de tudo
entre os amigos e o movimento
o poeta Luis morrendo de amor entre
a sombra e o cheiro de mijo
dos arcos descascados.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Suicide Girl


Seu rosto fragmentado entre as
prateleiras
e todos os meus sentidos dançando diante de ti
a sua volta
sem no entanto quererem te tocar.

E chamando um ao outro
num chamado íntimo inaudível
nosso olhar vai cruzar de um
salão a outro
desrespeitando as fronteiras invisíveis e
se encontrando debaixo do vão da porta
(dois caminhões se chocando:
o impacto o estrondo os estilhaços...
a explosão!)
por um ou dois segundos apenas
sempre por um ou dois segundos apenas...

O baque o golpe o corte
antes de voltarmos disfarçando de timidez
aos nossos tediosos afazeres cotidianos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Maria Madalena


Era uma noite de lua e fogo
quando Maria Madalena veio ao meu quarto.
Veio sorrateira, lânguida e silenciosa,
o único som era do seu vestido maltrapilho
roçando pelas paredes cor de areia:
suas vestes de adúltera adulterando meus sentidos,
e deturpando a natureza do meu prazer.
Ela se esparramou sobre mim ardendo em febre,
e eu tinha mil pedras na mão,
mas não pude atirá-las porque vivo em pecado
(e desejava intacto cada centímetro daquele vil corpo marmóreo).
Seu quadril perfeito movia-se em círculos perfeitos sobre o meu
arrancando-me um sorriso diabólico.
Ela sacudia-se toda,
em cada espasmo um orgasmo,
um sussurro do meu nome, um gemido de gozo,
cadenciado nas profanidades blasfemas
que traduzi dos seus profundos respiros.
Ela sorveu-me inteiro,
sucúbo engolindo-me até o último pedaço,
na nossa celebração da madrugada pagã.
Mas na primeira luz da manhã ela desvaneceu
como um espectro turvo e sem descanso,
e descanso eu nunca mais pude ter,
pois atravesso incansável as noites abafadas
na ânsia da palidez daqueles seios diminutos.

Sempre quis apenas Maria,
mas sob os lençóis da minha cama
ela soube ser muito mais Madalena.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Lembrança de Morrer

- Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
-Álvares de Azevedo

Eu posso morrer daqui a
cinqüenta anos ou posso
morrer aqui e agora fulminado
por algum instantâneo sopro invisível
- caneta rolando no chão
poema incompleto voando pela janela –
que não me vou triste...
vou como quem vai ao mesmo
trabalho de anos
insípido como se a morte fosse
um mero fato do meu cotidiano.
Por isso meus amigos não
chorem quando eu for embora!
Porque não me vou triste e
não há nada aqui que eu lamente deixar p’ra trás
a não ser a lembrança dos sorrisos
daqueles momentos em que fomos felizes.

Comemorem a vida que eu vivi
porque pude vivê-la bem com
o que tive e conheci:
Porque nasci de um pai que era homem e
de uma mãe que era mulher e
fui levado pela mão pelos amigos e
pude conhecer a satisfação desmedida de
dançar e me embriagar com eles.

Porque me senti realmente vivo
- mas vivo que qualquer um que vive –
lutando uma vida nos
campos do amor e do desamor.

Porque pude ser um dos raros eleitos
p’ra serem donos da alegria da poesia e
porque vesti a melancolia de um
quarto nas solitárias noites de sábado e
como percebi algum tempo depois que
isso também me fez aprender a como
passar pela vida encantando as meninas
que cruzavam o meu caminho.

Porque fiz amor com a mulher que me desesperava
(e só isso já fez valer todos os dias que houveram) e
soube maravilhado da plenitude desse ato
pois são muitos os que passam por aqui
sem nunca saberem do sentido último da vida
que é conhecer aquele outro que vai lhe fazer
atear fogo em todos os seus navios.

Porque não conheci a Índia mas pude sorrir
com meus irmãos sob os arcos da Lapa e
nunca visitei os museus da França mas
pude acompanhar o Cordão do Bola Preta
cruzando a Avenida Rio Branco.

Então
talvez o respiro final seja
apenas a mesma saudade de uma despedida ou
talvez o respiro final seja
a derradeira felicidade de descobrir
que morrer não passa de mais um esforço de poesia.

quarta-feira, 1 de julho de 2009


Sem nenhum trocado sobrando p'ra matar essa vontade repentina de chorar em algum quarto de hotel...

segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Lapa de Fevereiro


É no meio da madrugada,
na dissipação da embriaguez,
que as coisas perdem o sentido.
O mundo se torna mais real, mais concreto,
e portanto mais pesado.

O casarão,
os amigos na pista escura,
e eu na sacada tentando despir meus vários tipos de cansaço.
A chuva acoberta o carnaval,
e os arcos se desbotam alheios à luz laranja da Mem de Sá.
Na varanda ao meu lado pessoas chegam e saem,
enquanto eu mastigo imobilidades.

Primeiro, a moça elegante em seu vestido branco:
o céu escuro vigiando sombrio um carnaval esquisito,
os arcos e arabescos do casario antigo esvaziando os pensamentos.
Segundo, de blusa aberta, um rapaz embriagado:
os pingos espaçados e grossos,
a multidão eufórica enquadrada entre dois galhos de árvore.

Terceiro, um animado casal de lésbicas:
eu abraçado à coluna,
a mente esburacada, entregue a desvãos,
e elas me perguntando se estou triste.

Quarto, a linda morena, mais uma dor de carnaval:
a miríade de impressões flutuando entre as pessoas,
e eu me afogando no querer ser tudo,
deslizando todo em sensação no reflexo prata
das enlameadas pedras portuguesas.

E ali, pelo menos naquelas horas, eu senti um sinal do esvaecer...
senti uma espécie de desgosto de uma das coisas que mais louvo:
eu amarguei uma crise na fé que só encontro na imersão profana do carnaval...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Repousam agora na lembrança aquelas noites de sábado em que nem amigos nem amantes eu era um masoquista no quarto construindo versos natimortos eu me embriagava da melancolia tragada no copo da solidão eu queria os sons que soavam distantes através da janela eu queria as luzes e o cheiro da noite eu queria as meninas de vestido bêbadas e a alegria dos amigos reunidos mas só tinha a força da adriana calcanhotto tocando no rádio de repente e potencializando tudo o que era sensação transbordando a atmosfera do quarto de desejo dos amores passados (e dos que nunca puderam) eu ficava esperando uma voz ao telefone uma chamada no messenger que nunca vinha e me masturbava com os mesmo filmes e voltava a arquitetar poemas suicidas e me flagrava como um solitário por vocação que portava uma carência quase patológica e passava a madrugada comendo e abrindo a geladeira de 15 em 15 minutos e morrendo de medo do escuro da sala e da escada e morrendo de medo de ser doentio tudo isso que eu sentia e fazia tudo isso que eu era mas o que mais me frustrava era dormir mais uma noite dessa vida medíocre sem haver qualquer possibilidade de alegria e/ou amor e/ou sexo e tudo era pesado tudo carregava uma densidade estranha igual a da casa de um velho viúvo que agora só espera o sono derradeiro chegar e no entanto eu sabia que isso se dava porque ali eu era eu mesmo com todas as forças e em absoluto por isso toda essa angústia por isso toda essa melancolia pois nasci repleto de um querer absoluto que subjuga o tempo todo os meus olhos que me vende sensações sem remédio e é um caminho sem volta anestesiar isso com a poesia que também é fuga que também é aprisionar uma partícula de tempo para amenizar uma falta porque a saudade nada mais é que um desejo correndo atrás no tempo e quando se deseja se é plenamente e eu que desejo todo o tempo me sinto completamente sem cessar e ser assim é ter preso a carne e ao âmago a consciência de que estar na existência é um fardo que a maioria dos homens carrega sem saber.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Um Sopro Uma Vela Acesa


O mais triste nesse mundo de
infinitas eras é ser apenas uma
molécula fadada a conhecer
meia dúzia de séculos.

Nunca alguém
(nem os maiores nomes da história)
foi alguma coisa para o mundo e
nem o será algum dia.
E eu então?
O que faço de mais nobre na
vida é criar um punhado de versos...
o que faço de mais nobre na vida
nunca vai me tornar outra
coisa além desse grão que já sou.

Nessa época de arquivos digitais e
computadores o meu neto nunca
achará o bauzinho do avô com
os poemas para a vovó
(e nem aqueles amarelados para as
primeiras namoradas).
A não ser pelas fotografias meu
neto nunca saberá de mim dentro dele
como eu nunca soube do meu avô em mim.

Cada vida é uma pegada na areia
e o tempo é um deserto onde
o vento não pára de soprar.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Da Vida Que Nós Perdemos


Em dias cotidianos
tudo me transborda:
pessoas carros barulhos e tédios...
o ideal era nunca ter que trabalhar.

Queria mesmo era ser as
manhãs das casas envelhecidas
queria estar na madeira desgastada das
janelas sonolentas das
ruas melancólicas.
Estar sob os pêlos do cão que
dorme sobre o musgo do
cimento rachado do quintal vazio
estar sentado na cama da menina que
troca de roupa num quarto que
pulsa dentro da claridade branca das
primeiras horas matutinas.

Queria todo dia a lentidão de um domingo:
raios de sol furando as árvores
escorrendo pelos tetos dos
postos de gasolina
lambendo a umidade do paredão das
casas arruinadas sob um cobertor de
luz que não existe em dia de semana.

O ideal era nunca ter que trabalhar...

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Destino do Balão


As pessoas no ponto de ônibus são
como manequins absortos na espera da
sua condução que nem
notam um balão fazendo ciranda a seus pés.
Como é triste o balão de aniversário laranja
rolando através trânsito absurdo da
Presidente Vargas!

Será que o balão laranja abandonado é
mais triste que a criança que o perdeu?
Ele que viu a alegria de uma festa
que fez parte da beleza dessa festa
agora é o que além de mais um pedaço de lixo?

De quem é o ar que carrega dentro de
si o balão laranja?
E se a pessoa que o encheu estivesse
vis-à-vis com a pessoa amada?
na certa esse balão estaria cheio
de suspiros também...
um relicário de suspiros de amor
dançando pelo chão sem cor
da avenida anoitecida.

Mas logo vai ser tarde e a rua vai
esvaziar dos carros e das pessoas e
nenhuma brisa de movimento vai soprar o
balão laranja e
ele vai ficar parado na sarjeta imunda
(porque no Centro todos os
cantos são imundos)
e vai murchar junto com as horas da madrugada.

O balão laranja vai amanhecer não mais balão
vai amanhecer um pedaço de borracha
(como um cadáver que amanhece exangue)
molhado de sereno a espera de um bueiro ou
de um cesto de lixo que o carregue.

O balão laranja dentro da noite vai saber que
mais felizes são os balões de gás que estouram
entre as estrelas do que ele que
depois da festa se esvaiu aos pouquinhos
entre o concreto e o asfalto frio de junho.

sábado, 13 de junho de 2009

Trânsito no Mundo


O ônibus é uma lata onde
tudo desafia a lei de que
dois corpos não podem ocupar
o mesmo lugar no espaço.

Se o ônibus batesse violentamente
seria uma massa horrenda de
carne e sangue espalhados por
todos os lados...
(tudo seria uno e indistinguível
como no carnaval)
mas seria bem trágico e bem
triste também:
porque no mundo haveriam então
menos alguns pais
menos alguns filhos
menos alguns namorados
menos uma garota bonita
(aquela no banco a minha esquerda)

O mundo nem se daria conta que
seria menos um poeta a andar sobre ele
se o ônibus batesse violentamente.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O Olhar


A menininha encara o
vira-lata de rua que encara a
menininha
num olhar que vai para além da
linguagem
num olhar de sentidos secretos.
Porque a menininha quando
passa com seu olhar no
olhar do vira-lata lhe
deixa um carinho sincero e puro.
Porque o vira-lata quando prende
o seu olhar no olhar da
menininha é como se ele se
deixasse levar pela mãozinha dela
é como se ele tivesse finalmente
por alguns instantes
encontrado um lar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Buda e o Lótus


O Verdadeiro amor nasce do profundo conhecimento das coisas amadas.
-Leonardo da Vinci

Solitária flor do tamanho
de uma palma de mão aberta
me encara balançando no
ritmo da brisa e
enquanto a observo por um
instante também sou a flor então.

Sentado ao sol desse quintal
entre flores e borboletas
(sendo as flores e as borboletas)
eu vejo a Fernanda no fundo
na sombra fazendo uma xilo e
vou desejando uma caneta e
um papel para escrever
qualquer coisa assim morna
assim tépida e calma como essa hora...

Mas ela se levanta e vem
flanando na minha direção
(leve e lenta como a manhã)
e sob o sol desse quintal
me dá um beijo e passa e
volta com um bloco e
uma caneta e um sorriso quase
mais claro que o sol:

-Um poeta tão calado não
pode ficar sem escrever!

E mais que o poeta que quando
enxerga e contempla se torna a
flor e a borboleta e o sol e o quintal
a Fernanda me mostra que só o
seu amor revela verdadeiramente
a unidade das coisas
e é só o amor que nos faz viver na
essência última do objeto amado.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Mona Lisa Overdrive (um sonetinho romântico)


Baixaste aos infernos Mona Lisa,
Com Da Vinci no fogo a arder,
Os demônios teus seios a morder,
Tuas fantasias, Satanás as realiza!

Este teu sorriso agora idealiza
Algo que ninguém pode conceber,
Como se fosse Mefistófeles a lamber
O gozo que escorre na tua coxa lisa!

Agora és prostituta no Inferno,
Putinha de Lúcifer, o Eterno,
Serei um dia também teu amante?

Reflete o Hades tuas íris escuras
Dançam contigo inferiores criaturas
Vadia-mor do abismo flamejante!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Segundas


Hoje eu pensei que esse ano,
depois que o carnaval acabou,
parece que a vida anda estagnada.
Essa segunda-feira me apareceu descolorida e lenta,
os barracos sobre a linha de trem planavam,
soltos no ar, leves e desabitados.
Os meus olhos indecisos entre a bunda da advogada,
ou o seu gesto de levar o cigarro à boca,
só encontram desinteresse no vermelho irreal
das bochechas da adolescente no ônibus do lado.

E agora aqui, do alto do prédio,
eu vejo lá embaixo o movimento veloz,
mas que não chega aqui em cima,
o movimento que não vem até mim e não me toma.
Lá embaixo pulsa tudo quanto é pensamento e preocupação,
tudo quanto é amor e ódio...
pelas ruas do Centro concorre tudo que é rápido e lento,
o perfume da secretária abraçado ao cheiro do indigente
que dorme sobre a essência de um milhão de mijos.

Tudo vive e morre,
de segunda a sexta,
entre a Cidade Nova e a Praça XV,
durante o horário comercial.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Maiêutica


Na minha ultrasonografia
o feto tinha o formato de
um pensamento.
Eu portanto
estava grávido de memória
iria parir
um cogito ergo sum!

Quando eu menos esperava
as dores e contrações
chegaram
e teve de ser cesariana sem
anestesia
porque o pensamento quando
nasce vem rasgando e
logra fazer a gente sangrar

Dei luz a uma criança
maior que eu e
que veio ao mundo de
olhos fechados e em silêncio.

Chorei por mais esse
parto precoce
que aborta de mim um
filho sem pai e natimorto...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Pietá


Para minha avó morta

Quanto tempo faz que não vejo o seu rosto?
Quanto tempo faz que você não se lembra do meu?
Seremos só lembrança um do outro então:
você que já se foi,
eu que ainda ando desvanecendo por aqui...

Os carnavais na janela alta do apartamento,
o chiado das batatas na frigideira,
os gongolôs enrolados pelas frestas úmidas do quintal,
a escalada da alta ladeira de um São Cristóvão que parece nem existir mais...

Eu que nasci inferior, nasci homem,
nunca poderei saber da glória triste de ser mater dolorosa.
E não que eu creia em qualquer metafísica,
e não que eu possa merecer,
mas que a força do seu amor espreite o pobre Luisinho,
que você nunca soube carregar uma trôpega alma por esta vida.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Velho Samba


O senhor negro no
Clube dos Democráticos
sozinho numa mesa do canto
com suas roupas e sapatos
de antigo boêmio não
passa de um romântico cheio
de cerveja na cara.
Tentando tirar as meninas pra
dançar eu vejo uma a uma
declinar...
já não há mais lugar para ele ali
vivendo em outro tempo que
não mais esse.

Mas é tão bonito em seu
anacronismo aquele senhor
bonito e muito triste também
como se fosse a carnação de
um velho samba-canção.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Manhã de Maio


Bela manhã
chuva e sol
juntos.
No azul encimado por cinza
o avião brilha tão
branco que embaça de
tanta claridade.

No topo de uma antena sob
a envelhecida linha de trem
um urubu de asas estendidas
recebendo o afago da chuva:
um vulto negro maculando
os nuances plúmbeos como
se quisesse lançar uma benção
maldita sobre o mundo.

Um imponente espírito das
coisas podres que dentro do
chuvisco frio
do alto de sua esquelética
torre de alumínio parece
uma gárgula preta a afrontar o sol.

domingo, 10 de maio de 2009

O Rei dos Animais


O homem velho na Estrada
do Mato Alto será
que conhece o Centro?
Será que ainda se lembra dele?
Desse outro lugar que
pulsa em outro ritmo
que fervilha outras vidas
(que as vezes nem parece vida...).

O homem velho na Estrada
do Mato Alto
humilde
não conheceu o mundo e
nem vai conhecer novas pessoas
porque o homem velho nasceu
e vai morrer no
mesmo lugar.

Como pode o homem velho
viver tudo só
nesse pequenino universo?
Vida mínima de estrada e
de carroça
sem saber dos computadores e
dos prédios e dos carros e
das meninas e das bebidas nas
baladas da realidade distante.

Será feliz assim o homem velho?
sempre pobre sempre humilde
no mundo quase sem estar no
mundo
vivendo sem estar em outros instantes.

E depois de morrer terá o
homem velho alguma fotografia
envelhecida e mofada na sua
mesa ou na sua parede ou
será que depois que se for nem isso
nem lembrança?

Porque existe então o homem velho?
Onde existirá agora além daqui
inscrito no corpo deste poema?

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Belo de Caeiro


Só os insensíveis não julgam pelas aparências.
-Oscar Wilde
Quantos nunca me entenderam por
preferir a aparência a
funcionalidade das coisas?
quantos me acharam ignóbil por
dizer que preferiria uma
mulher burra e bonita que
uma feia e inteligente?
Cegos para a verdade do mundo
aqueles que me condenaram por
ser um esteta.

Porque personalidade pensamentos e
sentimentos não passam de
especulação.
Prefiro a pele das coisas porque
a verdade está no que eu vejo.
O que existe concretamente é
o corpo e a superfície das coisas.
E é isso que me atinge e
é isso que eu exalto.
O resto é pura metafísica.

Os animais e as plantas são
superiores a nós porque
os animais e as plantas
não sabem do que não vêem.
Os animais e as plantas não
vêem uma personalidade ou
um sentimento ou
um pensamento.
Por isso eles são puros e bons.

O homem quase nunca é puro e bom.
Porque o homem insiste hipocritamente em
dar mais valor a
personalidade ou
a um sentimento ou
a um pensamento.

O homem só é puro e bom
como quando admira as estrelas e
as flores por sua beleza.
Mas ele esquece que as
estrelas e as flores são
apenas estrelas e flores.
As estrelas e as flores não tem
personalidade ou sentimentos ou
pensamentos.
As estrelas e as flores não
servem pra nada.
Mas as estrelas e as flores são
muito caras e muito
admiradas pelos homens só
pelo seu exterior.
Só por serem belas e
só por isso e nada mais.

Os homens deveriam ter
assim com tudo.
Porque isso sim é divino
porque isso é a essência última
do existir:
louvar o que é por fora porque
o que há por dentro não há.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Fogo



Na madrugada de Domingo, dentre todas aquelas escrotices costumeiras da televisão, algo veio p’ra mim atingindo em cheio no ponto cego da minha morosa estabilidade emocional: no filme pornográfico a loura tem os cabelos dela, e reparando direito... a bunda é dela também. Mas nem pensei em ficar excitado, fiz foi embolar alguma coisa no peito, acho que foram uns enormes tufos de saudade. Apaguei tudo o que ainda era luz na casa e fui p’ra cama esculpi-la em inefáveis pensamentos, pintar a madrugada em tons azuis de alguma tarde ilusiva, alguma tarde que não tivemos. Mas não era ainda dono do sono e quis me embalar no rádio de pilha, e a música que tocava na hora a trouxe com tamanho ímpeto implosivo, que para meu corpo não combustionar sobre o colchão, tive que refazer meus planos. Voltei à sala, reacendi a luz, e por conta das mesmas baboseiras intermináveis na televisão, tive de escrever.
Hoje em dia as saudades dela andam tão raras, que quando chegam, chegam fulminantes. Antes elas me atingiam um pouquinho a cada dia, agora chegam a se acumular durante até uma semana, só para fazerem derradeiros e destrutivos ataques surpresa. Elas espreitam nas esquinas do meu sossego até que surja algum gatilho para dispará-las: uma canção no rádio, um carro igual ao dela, o ônibus que passa em sua rua, a loura do filme pornô...
Ela é a prática da Teoria do Caos, invadindo a beleza do dia, desordenando e enlouquecendo as pequenas coisas do Destino. E agora que ela bateu tão forte mais uma vez, como vou conseguir dormir com essa sensação de há tempos não estar mais aqui? Porque na lembrança daquela noite abafada, quando fui homem e enfrentei o mar, eu me perdi. Porque no quarto dela tão pequeno eu enfrentei o seu corpo branco e imenso, e me perdi de tantos caminhos cruciais...
Desligo a TV, porque já não agüento mais tanta merda no monitor e nessa folha de papel. Hoje não vou para a cama, vou ficando escorrido pelo sofá mesmo, me decompondo, sob as cobertas com medo dos barulhos que vem da cozinha. Amanhã preciso lembrar de fazer existir uma garrafa de vinho na geladeira p’ra servir de muletas em momentos como esse. Mas e daí se não há vinho? Recriá-la no sono sempre me embriaga de uma forma ou de outra...
Não quero nem saber do radinho e seus locutores insones, escrever me acalmou um pouco, e a última coisa que eu preciso agora é de mais outra música traiçoeira. E até adormecer realmente vou lembrando dela assim meio triste, como o fogo na cidade, que na saudade da floresta, incendeia papel vegetal.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Genius Locci


Quando vem me visitar a solidão
eu me dou ao pesado retiro do quarto-abrigo.
Nenhum som se permite existir,
a não ser os ruídos intangíveis da minha existência corpórea.
O ar ganha densidade física no cheiro de madeira dos móveis,
e a poeira dos livros me fala do amarelecer das palavras,
e da devoração inexorável do tempo...
O meu quarto ganha vida com ares de fogo e gelo:
é uma entidade criada em mim e de mim,
e que me guarda em meus segredos,
e onde assombram, livres de seus grilhões,
esses frágeis fantasmas impressionistas,
todos tecidos na minha delicada tela de veludo azul escuro...
essa tela que preenche tudo que é solidão,
tudo o que me abraça e sussurra nesse piccolo mondo melancólico,
que se abriga e se embate,
contra a concretude dessas quatro paredes cor de areia.