segunda-feira, 30 de junho de 2008

Trimurti


A Canção da Criação
Os terraços ensolarados agora me lembram de sexo e Verão.
Aquele nosso amor de rede e terraço que nem ligava p’ras janelas vizinhas,
que nem se importava p’ro galo que despertava Arraial do Cabo.
Aquele nosso amor que ia, ainda não satisfeito,
varar o dia que já sangrava vermelho a pele escura da noite,
e que só cessava quando o sol azul do carnaval não deixava saber
o que era céu ou o que era mar ao longo da Praia dos Anjos.


O Mantra da Preservação
Mas agora sim, são possíveis dias felizes novamente!
Felizes diferentes porque simples.
Felizes porque dias dentro dos seus dias.
Voltei p’ra casa varando a noite que passa inexistente de você.
Eu retorno calado porque eu mesmo inexistente de você.
Tudo vira saudade já depois de cinco minutos da despedida.
Quantos relentos conheci até achar a chave dos portões da sua vida,
quantas vezes o último cavaleiro triste na cidade sem luzes...
eu que ia cavalgando na impossibilidade do seu esquecimento,
abraçando versos na flor e na dor de qualquer coisa,
me fiz criança indefesa sendo levada pelas mãos da saudade,
sendo guiado através dos jardins esvaziados dos meses que não te souberam.
Andando torto e embriagado de vazio,
porque até no vazio que eu bebia,
encontrava o gosto alcoólico do seu perfume.


A Dança da Destruição
O seu rosto sempre me foi tão difícil,
que me permiti ser preenchido de emoção,
quando ontem,
no limbo escuro dos olhos fechados,
ele me veio tão claro e preciso.
Foi uma epifania tão palpável,
que desfeita das brumas do não-apreender,
a sua face soou como um augúrio de que dessa vez tudo andará reto.
Eu soprei o seu perfume entre as palmas das mãos,
e trouxe comigo os seu cheiro tentando escorrer entre os dedos,
fugindo pelos pêlos do meu braço,
exalando no peito da minha camisa,
com ele trouxe você em mim,
p’ra perfumar o meu quarto com a sua presença arredia.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Um Verão Que Ainda não Terminou


Desde que você partiu
Ipanema tem andado tão triste,
sussurrando saudades da morena
que maculava o amarelo da areia
com sua cor de açaí.

Desde que você partiu
eu fiquei sozinho no calçadão,
chorando o último pôr-do-sol
de um dia que não morria,
de uma noite que não chegava...
deixando um eterno entardecer
avermelhando os vidros nas janelas
da Vieira Souto.

Desde que você partiu
as ondas nunca mais amansaram,
batem e batem, engolindo a praia,
querendo loucas preencher suas pegadas
que o vento já roubou.

Desde que você partiu
coloquei meu coração,
esse souvenir vagabundo,
a venda baratinho,
numa daquelas barraquinhas de badulaques
da General Osório...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Pathos


Tenho vinte e cinco.
Meio caminho, meio termo,
mas me sinto muito mais p’ra trinta que p’ra vinte.
E só agora desvaneci romantismos,
só agora percebi que quartos de hotel são todos diferentes,
as putas é que são todas iguais.
Sinto saudades, fico triste, nos lugares mais improváveis,
fico assim até mesmo entre as pernas de uma mulher!
E boteco nenhum me salva dessa patologia,
só volto p’ra casa embriagado de sono e de versos ruins...
antes bebesse até cair,
porque a ressaca de versos ruins é infinitamente pior que a de vinho.

Meus amigos bem que tentam a alegria,
e às vezes até conseguem,
mas eu já nem tento mais.
Assumo de vez esses olhos vazios como os filhos indesejados
que chegaram no momento errado,
mas que assim mesmo devo amar simplesmente
por serem carne da minha carne,
sangue do meu sangue:

-Mulher, eis aí o teu filho!

terça-feira, 24 de junho de 2008

A Casa dos Espelhos (ou Narciso Febril)


Ela se parece mais comigo que o meu próprio rosto.
Cada retrato dela é um espelho d’água,
onde miro o que eu deveria ter sido,
o que eu queria ter sido e não consigo...
Portanto ela é o meu eu mais verdadeiro que eu mesmo.

Em qual espelho um dia ela verá o meu rosto?

Pendurado na parede insone do meu quarto
dorme o espelho onde ela se mirou quando fez a visita da minha vida,
o espelho que eu guardo como se a imagem dela tivesse ficado ali impressa...
porque acredito que um espelho não é uma superfície refletora,
um espelho, na verdade, é uma fotografia que não retém...

E todos os dias eu me olho e não me reconheço,
porque na superfície refletora eu vejo o interior de mim,
e o que eu vejo é só aquele rosto dela,
e o que eu vejo é só aquele rosto meu...

E agora como vou esquecer

se já não consigo mais me olhar

sem te ver?


A sua presença ficou gravada no meu espelho.

Espelho que penduro pela casa
para me refletir em todo canto.
Espelho que carrego comigo louco de febre,
só para deixar sua presença espalhada
pela minha casa inteira...


segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Incrível Hulk



Hoje por força de mais uma melancolia morna eu não pude suportar voltar p’ra casa depois do trabalho, e resolvi, então, ir ao cinema. Estamos no inverno, chove e faz frio na noite do Centro, e ando meio gripado novamente. O cinema estava vazio e, durante o filme eu pensei na Louise ao olhar p’ras minhas mãos, e lembrar que ela sempre cuidava bem das minhas unhas, e que se agora elas andam roídas, é o mais claro indício do abandono.
Eu lembro que certa vez, ela achou engraçado quando eu disse que amar é aumentar a conta do telefone, só que amanhã faz três semanas que ela não está mais aqui, e entristeço ao pensar que a próxima conta de telefone vai chegar “normal” esse mês.
Voltei o caminho todo me perguntando se a Louise acharia tanta graça se eu dissesse a ela, que hoje eu descobri que solidão é ir ao cinema nas segundas.

domingo, 22 de junho de 2008

Himeneu Entristecido



Pelas horas de espera adentro
eu rendei um vestido com o fio da solidão...
E me saiu uma peça tão bonita!
É um diáfano vestido de noiva,
cheio de botões de lágrimas cristalizadas,
e feito p’ra ser usado uma única vez,
p’ra depois, roupa-símbolo da noite da minha vida,
durar uma era inteira junto a não-existência das coisas de fundo de armário.
Noventa dias eu te esperei na janela,
vigiando a chuva na cidade,
bordando arabescos de paixão incontida
parindo formas barrocas na cauda longa,
feita inteira com os moldes da saudade.
E quando o mundo nos entregou à nossa hora,
como um anjo me ascendi aos seus altares,
e disse “sim” p’ra tudo o que fosse seu,
e disse “sim” p’ra tudo o que viesse p’ra nós dois.

Mas depois de um tempo, como é normal acontecer,
o mel da nossa Lua apodreceu e amargou...
e eu já não te conhecia mais,
e você já não via mais o meu rosto.
Virei Penélope a te esperar mais uma vez então,
nessa costura infinita,
ainda na janela que vigia a cidade,
agora ensolarada pelo amarelo que irradia seus cabelos.

E se tiver que voltar, meu amor, mande me avisar!
Porque eu tiro o mofo,
exponho ao sol o meu vestido,
e vou me perfumar,
p’ra sair por aí a bailar com você,
sob os olhos escuros do mundo,
naquela nossa antiga ciranda nupcial.

Mas se não conseguir voltar me avise mesmo assim...
porque aí eu me entrego ao choro derradeiro,
e mando cortar o vestido p’ra fazer um lençol branco,
que manterei guardado na gaveta junto as suas fotos,
envolvendo as suas cartas,
até que tudo que é lembrança sua se impregne pelas rendas,
se mescle a constituição do linho e da seda.
Até que seja um tecido de detalhes vazados de memória,
uma fazenda composta de vestígios da sua presença.

Então, quando eu morrer,
irão me cobrir com esse lençol que me fala de você.
Farão dele uma delicada mortalha para meu corpo,
um sudário ornado com a singeleza e dedicação
dos meus dias que foram seus.
E será como sentir sobre a pele o vestido por uma última vez,
será como se eu fosse sua noiva novamente,
ansiosa sobre o altar de velas apagadas do não-ser,
a esperar por toda a eternidade um “sim” que a morte tornou impossível.

sábado, 21 de junho de 2008

Fada dos Temporais



Minhas retinas regem,
esquecidas de mim,
um balé de folhas secas
que rodopia dentro da cidade descolorida,
palco cinza que anuncia a tempestade.
Ela cruza a minha frente correndo
e nesse gesto ela já me tem,
ela rouba o meu olhar da ciranda de folhas mortas.
Ela segura a barra do vestido xadrez
p’ra que a ventania não o levante...
e seu sorriso é tão lindo!
que por quase dez segundos eu deixo de lado os pesos da minha cabeça.
São nesses momentos que meus olhos me provam
que eu não existo,
só o que vejo,
só o meu desejo.

O expor dos dentes brancos,
ao contrário das minhas íris enegrecidas,
é algo de natureza estranha aquele cenário,
eles fazem um rasgo clarificado na pele da paisagem em monocromo.
Então percebo que é um lastro nas coisas tristes,
o sorriso dela p’ro vento ousado
é um lastro nas grandes e pequenas coisas entristecidas.
Pois não só corrompe a uniformidade das cores desbotadas
de uma cidade que aguarda a torrente,
mas também vara de um lado a outro o que trago por dentro,
essa paisagem onde há muito o temporal anda caindo.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Pastel Seco Sobre Tela




Passei a noite enxergando a Louise
na beleza quase fictícia das meninas noturnas.
Pela manhã eu deito no colchão na mesma posição,
para reconstruir novamente a cena,
para ainda ver,
mesmo que esculpida na miragem da saudade,
as omoplatas nuas naqueles momentos antes dela ir trabalhar,
as clavículas pálidas da Louise,
num último respiro antes de serem tomadas pelo vestido.

Louise era alheia a qualquer sedução no seu vestir,
dava as costas p’ros meus olhos entupidos de desejo,
como se eles não fossem dignos de amargar
a fronte do seu torso branco uma última vez.
Ela era assim,
bonita sem o saber ou querer,
imersa na casualidade de uma mulher
quase avessa a qualquer a qualquer vaidade.
Louise foi toda movimento e impressão:
eu a enxergava em riscos rápidos,
diáfana e indefinida,
mas de uma fugacidade que não dissolve porque a capturei,
de uma beleza esguia que não me escapa.

Hoje eu vejo a Louise nas bailarinas de Degas.