terça-feira, 24 de julho de 2012



ando ouvindo salif keita pelas manhãs sonolentas e acho que assim eu melhoro alguma coisa no dia pois tendo a roubar um pouco da nobreza de salif keita poderoso como um rei orixá albino cujos os olhos moram na voz e que vai lançando seu canto através dos ventos mandingos através dos vales malineses e desse jeito vou me descobrindo cantando pra você que não está mais aqui misturando café ao meu leite e percebo que na verdade é um desejo de te cantar em alguma língua africana o que seria digno como te louvar com a voz de todos os antepassados em mim.

De Esquina



Vive a atriz rodopiando sob a
luz estroboscópica das minhas
vertigens enquanto a Lapa amanhecendo
(o domingo que nunca acorda)
submerge em mim.
Na impiedade geométrica das
tuas ruas eu vou deixando pra
trás enormes pedaços do que
em mim
já não posso mais suportar.
Na incongruência das esquinas carros de
polícia e teus olhos castanhos ensaiando
lágrimas de água com gás.

Teus olhos que
a cada esquina
me desferem socos no peito.

Mas o medo persiste.
Medo de te encontrar entre as
cores das festas que não faço e você
como é de costume
me agredir com a delicadeza da
tua presença e me empurrar violentamente
ao longo dos caminhos mais certos.

Eu nasci pros caminhos tortos.

Mas ainda agora aqui havia
uma atriz e talvez ainda existam
aquela literata e uma escritora que
espero de pé no limiar dos abismos tristes
no antiromantismo dos monitores na
maresia cosmopolita dos apartamentos de
Copacabana nas salas dos teatros pouco
vistos na iluminação art deco das cafeterias.

Há bananas verdes na fruteira da cozinha e
filmes sobre o Nacional Socialismo Alemão
na estante do quarto enquanto te espero.

E um dia te quis magra e um dia
te quis fogo e você
no entanto
me queria de qualquer jeito menos
esse traidor que transa com as
luzes dos postes e dos faróis e
pisando na urgência de outras flores
ainda te espera  sem esperança.

domingo, 15 de julho de 2012

Belíssima



A musculatura das tuas costas no
chiaroescuro do balcão do Teatro
Odisséia denunciam a tua
estrutura de sonho.

Já pela manhã
segue sozinha pela Mem de Sá e
pondo o casaco preto
abraça a si mesma entre os
cartazes vermelhos do Circo Voador.

Central do Brasil



Vocês duas que levam os
vestígios do meu abraço em
tuas malas em teus aviões.
Levam o perfume do meu
pescoço na ponta dos teus
narizes gelados.
Vocês duas que
em seus copos de caipirinha
embebem e bebem minhas
neuroses e minhas crises.
Vocês que capturam o meu
orvalho em tuas rosas úmidas.

E no final das contas
- filhas de Copacabana –
apresento-lhes a Lapa e no
mesmo instante ela já é de
vocês aonde quer que forem.

Antropologia.
Fotografia.
Não tenho grana não tenho
estirpe e nem formação
dos meus antepassados só
herdei esse afetuoso banzo.
O que eu trago então para que levem tanto
e aqui
em suas camas de frente pro mar
deixem apenas uma fagulha de mim?

Verdade da Solidão



A solidão é um silêncio e
uma imobilidade.
A solidão é uma lacuna o
espaço entre duas palavras e
se a procuro avidamente é
porque anseio esse respiro.
A solidão é um reencontro um
mergulho íntimo e a paz possível.

E paz nada tem a ver com a vida:
a solidão é o meu momento de
estar fora da vida.

Em um Dia de Amor



A janela da barca e teus
olhos azuis sorrindo para
a Ilha Fiscal.

A Zona Sul e o Centro se
dissolvendo na luz do
fim da tarde.

A plataforma de petróleo se
contorcendo no abismo noturno
da Guanabara.

A Lapa sonolenta existindo nas
pulsões do corpo (cabelos
tatuagens coxas bundas).

As ruas do subúrbio
na madrugada
sangrando sirenes silenciosas.

Imagens que trouxe esmagadas
entre minhas pálpebras e que
ao chegar em casa
caíram todas pelo chão do quarto.

Poema Delicado



Não
não me deixe esquecer
ao acordar
do teu olho de ferrugem
que ao me sentir passar me
seguiu sem enxergar.
Me traz essa vontade de
ser mais bonito
me dá essa ânsia de esforço
para que olhos solares
como os seus
se imantem a minha pele.

Não
não me deixa agoniar no
rosto da criança que foi
por um segundo o teu
atrás dos antigos vidros
escurecidos de gasolina
o giz nos dedos
estudando com rigor de ciência
os biscoitos de polvilho:
aqueles comprados sob um sol
que nos esquecemos onde nasce.