quinta-feira, 30 de julho de 2009

Duas Tristezas


O silêncio é um sintoma da tristeza.
Eu sou o rei melancólico,
por isso assim entronizado neste castelo de silêncios.
E apesar do silêncio dela ser de uma essência diferente da minha,
a postura melancólica que a veste é tão igual,
que como um Narciso calado,
eu me apaixonei pelo seu rosto cabisbaixo,
tombado com todo o peso do mundo,
sobre o delicado da palma da mão.

Enquanto os outros se apaixonam por sorrisos,
pela tal da “alegria contagiante”,
eu navego no contrário da maré,
vidro no sem graça ao sorrir,
no encolhimento do corpo dela,
no seu ensimesmar soturno.
E no fim das contas, é até bom que seja assim,
esse algo meio platônico:
Afinal, acho que dois tristes enamorados não poderiam dar certo...
Imaginem só que trágico:
a minha melancolia mais a dela,
uma melancolia ao quadrado,
acabando por fazer nossos filhos já nascerem tuberculosos!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Ex-nihilo


No banco do ônibus me amanheceu uma vontade de sono,
de um sono estranho, que nem deveria existir,
mas que nascia na força das coisas vãs,
na sensação constante de inutilidade.
Nessa época de volta às aulas,
a consistência do marasmo cotidiano só é partida
quando meu entorpecimento se rompe no desejo das pernas da normalista,
nos seios ainda imberbes da menina do Pedro II...

Para pagar a passagem, de dentro da carteira,

entre flyers de desconto em motéis e puteiros,
eu saco a última nota de um medíocre salário,
esse prêmio recebido por um mês inteiro de tédio suado,
um fútil consolo por trinta dias de não-realizações.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Literatura Noturna


I
Nem tudo o que se escreve é para ser lido. Que mão dolorosa escreveu nos seus lábios essas frases absurdas e que eu já sei de cor? Queria uma noite líquida p’ra justificar este sofá, esta lâmpada fraca, e este tédio derramado sobre a folha de papel. E já que o desassossego anda tão em voga ultimamente, queria sua voz ao telefone só p’ra fortalecê-lo um pouco mais. Na tarde do Sábado que passou, as ruelas do Centro contorcendo-se em meu pensamento, nem amigos, nem amantes, só um nome. Um nome igual ao seu, igual a tantos outros, um nome que a chuva escorria nos vidros dos carros. E te chamarei de fogo, se fogo você continuar insistindo em ser, e te chamarei de saudade, se você conseguir apagar a sua presença gravada em água-forte pelos negativos do meu cérebro.

II
Nem tudo o que se escreve é bom o suficiente. Vejam a vida dos homens, por exemplo. É um livro que o Destino escreve e, p’ra nosso desespero, o Destino sempre foi um escritor de quinta categoria. Se for p’ra sofrer, soframos como no cinema! Que seja magnífica a dor, poético o drama, que tudo seja exibido em tela grande e que nossas lágrimas sejam aplaudidas no final! Ora, que ganhemos então o Oscar! Mas esse autor de merda que é o Destino só reforça nossa pequenez, nos faz parcos figurantes nesta atroz comédia universal. E é o único a gargalhar das próprias piadas sem graça...

III
Nem tudo o que se escreve deveria ser. Em respeito a isso, vou parar aqui então. Ia escrever o que não se deve.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Lapa


As luzes pulsam jogando prata e
laranja sobre a grande babilônia.

O vinho é amargo e sempre entorna
quando o efeito dele faz constatar que
a Terra gira realmente.

Os travestis olham os caras esperando
por um chamado que não virá
e eu vejo que o olhar deles é o
mesmo olhar que esses caras lançam
p’ras meninas universitárias que
passam flanando de um lado a outro da pista.

Na madrugada os postes acendem os
paralelepípedos molhados:
na rua da Lapa às vezes chove...
na Joaquim Silva às vezes um amor
que a Mem de Sá deixa p’ra trás...
e entre um riso e outro
uma saudade e mais outra
tem lugar alguma filosofia de bar.

E ali
bem no meio de tudo
entre os amigos e o movimento
o poeta Luis morrendo de amor entre
a sombra e o cheiro de mijo
dos arcos descascados.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Suicide Girl


Seu rosto fragmentado entre as
prateleiras
e todos os meus sentidos dançando diante de ti
a sua volta
sem no entanto quererem te tocar.

E chamando um ao outro
num chamado íntimo inaudível
nosso olhar vai cruzar de um
salão a outro
desrespeitando as fronteiras invisíveis e
se encontrando debaixo do vão da porta
(dois caminhões se chocando:
o impacto o estrondo os estilhaços...
a explosão!)
por um ou dois segundos apenas
sempre por um ou dois segundos apenas...

O baque o golpe o corte
antes de voltarmos disfarçando de timidez
aos nossos tediosos afazeres cotidianos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Maria Madalena


Era uma noite de lua e fogo
quando Maria Madalena veio ao meu quarto.
Veio sorrateira, lânguida e silenciosa,
o único som era do seu vestido maltrapilho
roçando pelas paredes cor de areia:
suas vestes de adúltera adulterando meus sentidos,
e deturpando a natureza do meu prazer.
Ela se esparramou sobre mim ardendo em febre,
e eu tinha mil pedras na mão,
mas não pude atirá-las porque vivo em pecado
(e desejava intacto cada centímetro daquele vil corpo marmóreo).
Seu quadril perfeito movia-se em círculos perfeitos sobre o meu
arrancando-me um sorriso diabólico.
Ela sacudia-se toda,
em cada espasmo um orgasmo,
um sussurro do meu nome, um gemido de gozo,
cadenciado nas profanidades blasfemas
que traduzi dos seus profundos respiros.
Ela sorveu-me inteiro,
sucúbo engolindo-me até o último pedaço,
na nossa celebração da madrugada pagã.
Mas na primeira luz da manhã ela desvaneceu
como um espectro turvo e sem descanso,
e descanso eu nunca mais pude ter,
pois atravesso incansável as noites abafadas
na ânsia da palidez daqueles seios diminutos.

Sempre quis apenas Maria,
mas sob os lençóis da minha cama
ela soube ser muito mais Madalena.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Lembrança de Morrer

- Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
-Álvares de Azevedo

Eu posso morrer daqui a
cinqüenta anos ou posso
morrer aqui e agora fulminado
por algum instantâneo sopro invisível
- caneta rolando no chão
poema incompleto voando pela janela –
que não me vou triste...
vou como quem vai ao mesmo
trabalho de anos
insípido como se a morte fosse
um mero fato do meu cotidiano.
Por isso meus amigos não
chorem quando eu for embora!
Porque não me vou triste e
não há nada aqui que eu lamente deixar p’ra trás
a não ser a lembrança dos sorrisos
daqueles momentos em que fomos felizes.

Comemorem a vida que eu vivi
porque pude vivê-la bem com
o que tive e conheci:
Porque nasci de um pai que era homem e
de uma mãe que era mulher e
fui levado pela mão pelos amigos e
pude conhecer a satisfação desmedida de
dançar e me embriagar com eles.

Porque me senti realmente vivo
- mas vivo que qualquer um que vive –
lutando uma vida nos
campos do amor e do desamor.

Porque pude ser um dos raros eleitos
p’ra serem donos da alegria da poesia e
porque vesti a melancolia de um
quarto nas solitárias noites de sábado e
como percebi algum tempo depois que
isso também me fez aprender a como
passar pela vida encantando as meninas
que cruzavam o meu caminho.

Porque fiz amor com a mulher que me desesperava
(e só isso já fez valer todos os dias que houveram) e
soube maravilhado da plenitude desse ato
pois são muitos os que passam por aqui
sem nunca saberem do sentido último da vida
que é conhecer aquele outro que vai lhe fazer
atear fogo em todos os seus navios.

Porque não conheci a Índia mas pude sorrir
com meus irmãos sob os arcos da Lapa e
nunca visitei os museus da França mas
pude acompanhar o Cordão do Bola Preta
cruzando a Avenida Rio Branco.

Então
talvez o respiro final seja
apenas a mesma saudade de uma despedida ou
talvez o respiro final seja
a derradeira felicidade de descobrir
que morrer não passa de mais um esforço de poesia.

quarta-feira, 1 de julho de 2009


Sem nenhum trocado sobrando p'ra matar essa vontade repentina de chorar em algum quarto de hotel...