sábado, 18 de outubro de 2008

Luna


“Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.”
-Alphonsus de Guimarães, Ismália


Espelho solar...
Lua etérea de halo ferrugem,
lua da minha infância nos quintais de minha avó.
Luz azulada das minhas nostalgias
dos portões do paraíso nordestino,
cor do sublime assombro dos oratórios barrocos.
Vigia da madrugada embriagada,
das ruas sonolentas e das esquinas indizíveis.
Círculo perfeito que não se vê com a janela fechada,
beleza que entre os lençóis molhados dos varais
minha metade me aponta.
Lua do quadrado luminoso no centro do quarto,
bola de cristal onde os poetas vaticinam o futuro.
Holofote do palco onde o espetáculo
só acontece atrás das cortinas,
farol que guia os lobos,
que revira sentimentos em amantes e licantropos.
Luminária redonda no teto do mundo,
bola de gude rolando no veludo escuro.
Rosácea da fachada celeste,
vitral rosa-bebê remexendo as marés.
Olho chorando prata nos lugares
por onde pára o meu amor,
lua vermelha que entre as frestas da cozinha anoitecida
traz de volta a paz do sorriso da Fernanda.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sóror Cheia de Alegria


“Eu quero esse corpo que a plebe deseja
Embora ele seja prenúncio do mal”
-Nelson Gonçalves


Encontrá-la tão bonita e tão volúvel,
me faz pensar em roleta russa,
no mergulho no centro do recife de coral.
É um perigo toda essa proximidade,
o risco de se dobrar ao seu jeito,
tão perfeita que parece uma idéia de dor,
tão puta que parece que já nasceu assim.
E nada permite o distanciamento dessa mulher sem apego,
grandiosa ave de rapina, falcão, condor e águia americana,
me circundando com seus vôos de caça e telefonemas,
que me expõem as garras dos seus artifícios,
me fazendo presa, coelho e camundongo,
atraído pelo ressecado do vermelho da sua boca exposta,
calculando a impossibilidade de prendê-la nessa minha gaiola
que sempre foi apenas de madeira.

Ela é flor que só se tem à beira do abismo,
tão anjo e tão rata,
tão inteligente e tão junkie,
cicuta com gosto de Coca-Cola.
E mesmo assim eu vou querendo e temendo,
e proporcional ao medo,
vem o desejo do seu corpo rabiscado,
vem o encantamento pela loucura da sua cabeça,
maior o querer de encontrá-la de novo,
me esperando em frente as luzes do chafariz,
chapada de cerveja, cachaça e de sei lá mais o quê,
chorando e me ferindo, agressiva e doce,
enquanto eu, encolhido do lado,
vou abrindo meus poros a unha de tanta ânsia e indecisão!

As luzes das lojas se apagando uma a uma,
o limbo das vitrines escuras refletindo as costas dos quadris dela,
vão me baqueando no receio de colhê-la
e me enchendo do pavor de depois,
como é tão próprio a mim,
não conseguir saber deixá-la definhar...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Percepção de Tempo


Todo dia no monitor são cinco e doze...
Garoa, depois sol,
o vidro do ônibus escorrendo no meu ombro.
E na porta da antiga casa, à beira da avenida anoitecida,
uma velha senhora, dessas que não se fabrica mais a cidade grande.
Seu vestido démodé,
seus olhos vazios vidrados na velocidade de um mundo que não mais lhe pertence.
De mão dada a sua, uma menininha,
sua neta talvez,
mas com olhos diferentes, olhos recentes.
Não é a mesma paisagem para as duas portanto.
E trago comigo um pouco da velha e da menina,
metade antigo, metade contemporâneo,
um só ser vinculado a dois tempos diferentes ao mesmo tempo,
bipartido em dor temporal de não conseguir viver em nenhum.