quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Melancorgia


Eu sou um corpo.
Olho minhas mãos escuras
magras
que reafirmam:
eu sou um corpo.
Estas mãos que escrevem para
expurgar todos os pesos
para tornar mais leve o tempo
(está no meu corpo o poema?
É uma extensão do meu corpo o verso?).
Estas mãos que
presas aos braços
são como o resto todo:
sangue e osso e carne e pêlo e desejo
que um dia não serão nada além
do que pó (mas que voltará a residir
na constituição de outros seres).

Mas se me olho inteiro pela manhã
eu me pergunto:
é só isso o corpo?
Onde ele pode estar circunscrito agora
além de aqui nos
limites desse banheiro?
No reflexo desse espelho?

Concluo que ele é um ente que
vê e sente
e a tudo captura
e a tudo mescla e
se dá
vivendo nessa orgia dos sentidos
se prostituindo pelas coisas do mundo.
E tudo isso que vai ficando retido
vai semeando melancolias
(e a melancolia?
Ela cabe no corpo ou
o corpo é que lhe cabe?).

Talvez seja correto afirmar
que meu corpo também é
só uma aparência no mundo
mas que é um fenômeno onde
se guardam incontáveis afetos
(o orgasmo noturno
o mau humor matinal).

É que este corpo aqui
também é uma casa onde
mora uma família inteira de silêncios
é onde em atos se concretizam as vontades
(ou onde as escondo...)

Este corpo aqui é um lugar de
trespassamento constante
um lugar ora lúcido ora obscuro
frágil
muitas vezes triste
mas é por onde o mistério da vida
atravessa infinitamente.

Nenhum comentário: