sábado, 11 de junho de 2011

Romantismos


Esse sábado as ruas estão
apinhadas de casais e
eu nunca soube por que esses dias
me consternam.
A proximidade do Dia dos Namorados enche
a cidade de outdoors que ensinam que
o consumo é a derradeira prova de amor.

Mas nada disso realmente importa.

Estou comendo um pastel de queijo
bebendo um caldo de cana num
boteco embaixo da estação de Madureira
onde o gerente tem o nariz derretendo e
coça interminavelmente o saco e o atendente
vez em quando
levanta a blusa para esfregar uma
vermelhidão na barriga.
Mas é Madureira e o lanche ali é delicioso.
Uma adolescente se debruça no balcão ao
meu lado e suas clavículas ossudas quase rasgando
seus ombros é um espetáculo tão
terrivelmente belo quanto um quadro de Caravaggio.
Ela pede uma garrafa d’água (é claro que
ela não comeria nada ali) e eu
limpo a boca e saio.

Minha cara refletida nas janelas dos
carros é a cara de um velho alquebrado e
penso naquele antigo armazém onde
as paredes são teia e pó
onde se respira um ar centenário e
entre guloseimas e pães
a mercadoria mais barata é a memória.

Um casal de estudantes se beijando e se
agarrando pela nuca (percebo que ela usa
aparelho nos dentes) me mostra que nunca
fui assim tão jovem e que
a partir de agora me faltará alguma estrada e
que esta é uma vida plena de impedimentos para
quem só sabe viver no amor.

Ao chegar ao apartamento
ao deitar na cama para escrever esse poema
já não é mais preciso a densidade da noite e
nenhuma ave negra na minha janela para que
eu tenha o meu inelutável nevermore.

Um comentário:

Igor Valente disse...

Sabe o que eu mais gosto em seus textos? O caráter prosaico deles, em sua capacidade de extrair a poesia mais sincera do patético e ordinário da vida. Magnífico texto. Abração