sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

om mani padme hum (oração a uma moça de circo)


para paula guglielmi

cruzar
de uma zona a outra
a cidade a noite sob a
chuva em busca do amor
(é tão difícil o amor na
cidade) e te esperar
num bar meio vazio a
cerveja no fim quando você chega
ligeira e atrasada me reconhecendo
na mesa do canto como
convém aos solitários e/ou aos tímidos
fazendo eu me saber um careta
com seu estilo subjugando o meu

com o cigarro eterno entre os dedos
os dreadlocks recendendo a cannabis
você senta e faz o assunto orbitar
em torno do desapego e dos ciúmes
versando com a imponência de uma
pitonisa que me obriga a decifrar
profecias sobre a rijeza do coração

e me desnorteia ver você inverter
a mesa e me fazer perder de lavada o
meu jogo preferido: o colecionismo
de amores (mas você é mulher e
você é bonita como só é
bonito aquele único poste aceso
em uma ladeira do estácio: nesse
jogo você sempre vai estar
milhas a minha frente) mas eu
engulo o orgulho junto a cerveja
engulo teus olhos teus dentes a
tua argolinha no nariz quase
me fere a garganta
engulo tudo porque eu preciso
te beijar sob o ozônio como
quem quebra um tratado de paz
como quem declara guerra a
um país belicamente superior

é um processo adivinhatório
tatear teu corpo estreito e
de olhos fechados achar tua
cintura e correr o mundo inteiro
na cartografia dos teus braços
incrivelmente frágeis

e teu quarto pequeno chega
a porta de correr a comida
macrobiótica que devoro só porque
estou com fome enquanto
você desintegra seu baseado
distraída com o keanu reeves na
tv não me percebendo entoando os
mantras da tua perna com a
serenidade de um rinpoche

e te ter como uma epifania como
se sua substância fosse um
vapor escapando entre as mãos
um êxtase que vai se acabar pra
sempre sem nunca ter havido
e dormir e não dormir olhando
tuas formas cansadas que no escuro
soam ainda mais perfeitamente
magras e intocáveis e virada de
lado me impede a invenção
de qualquer carinho

quando amanhece
te vejo ainda uma última vez
nua e absoluta e desvendo no
compasso da sua respiração que
essa noite foi a revelação de
algum bonito mistério da vida (e
me fazendo arrepender dos
dias em que desejei morrer)

mas abandono sorrateiro teu prédio e
teu sono e a claridade lenta do catete o
ócio do aterro expõem minha pele
ainda viva (troquei de pele
por não caber mais na antiga) e
ainda teu cheiro na ponta dos
dedos ainda teu hálito no meu
hálito correndo pelas persianas
que divisam e dividem a lagoa

o dia passa no limbo do semissono e
a noite chove a mesma chuva da
noite anterior me fazendo querer te
saber onde agora sob a torrente
em que a-braços estranhos praticando
sua liberdade anunciada que parece
mais um desafeto que uma elevação
deixando esse incômodo esse
grito no meu peito que é um
grande risco que corro e que
a essa altura do campeonato
pode ser tão mortalmente potente
como um tiro no céu da boca

Nenhum comentário: