segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Malabares


Malabarista do trânsito toda sujinha
seu cabelo em pé
o rosto mal pintado e
a tinta escorrida de suor lhe
empresta essa cara de palhacinho triste.

No sinal fechado se
abre a janela do carro lustroso e
eis que se arquiteta a imagem:
pelo vão se debruça uma outra menininha
só que dessa vez de porcelana
(seu pai não aparece através do vidro escuro)
e que tem a mesma idade que a malabarista
mas no entanto não a convida para brincar de boneca
não desce do carro para aprender esse
divertido truque de bolas da malabarista:
tudo que ela faz é lhe entregar o cachê do show
e ir embora.

Elas poderiam ser amigas de escola
mas ali
entre os carros fugazes da Avenida das Américas
não há infância possível para a malabarista
tudo reafirma a impossibilidade dela partilhar a
mesma realidade da menina que se foi no carro.

E ela vai continuar sua arte
(que é mais de sobreviver do
que circense)
até que se extinga sua inocência e
o seu caminho mude ou termine.

Estranhamente como um símbolo de tudo
me vem o pensamento de que
a malabarista não dançará seus
15 anos de sapatinhos novos
o seu quinhão
será sempre aqueles pés descalços
enegrecidos menos pela sua cor
do que pela sujeira e pelo asfalto quente.

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