domingo, 17 de abril de 2011

Carta Para Uma Menina Com Uma Flor

Sim eu sou triste.
Eu nunca neguei nem escondi de
ninguém essa figura patética.
E talvez você nem perceba que me
ama também por uma espécie de pena.
Porque você sabe que sozinho
eu posso me perder por qualquer coisa
eu posso morrer a toa.

É
eu admito
eu sou difícil.
Tenho defeitos que eu mesmo não
me toleraria se eu fosse um outro.
Nunca tinha atentado mas você
me mostrou que a memória é um deles
(talvez o maior)...
Mas como me apartar se as experiências
em mim se litografam?
Se as coisas que escoaram no tempo se
tornam um ingrediente indelével do que sou?

Não acredito nos seus deuses moça
você sabe:
sou um ateu um trágico um esteta e
acima de tudo
um amante do corpo.
E o corpo são cinco sentidos e
mais ou menos
meia dúzia de sentimentos errantes.
E aqui agora
na proximidade dos trinta
percebi que esse corpo é algo que se
desfaz rapidamente e que a
qualquer momento ele pode se aniquilar.
Por isso toda essa minha urgência que
você acha intolerável
toda essa minha sede de vida
toda essa paixão peregrina.

Por isso todos os poemas.

Quando em versos fúteis (vis vulgares sujos
de acordo com você) eu perpetuo
sensações que houveram
é uma tentativa vã de eternizar esse corpo:
meu poema não é pornografia moça:
meu poema é confronto com a morte.

Entendo que você não queira
conviver com isso e isso eu nunca te pedi
mas não pode esperar de mim o
asfixiamento (que faça parar no meu corpo
os pulmões dessa sede
o coração desses afetos).

A verdade
essa que nos recusamos a admitir
por causa de tanto amor
é que você não precisa desse egóico
desse bêbado
desse velho tarado
(talvez um daqueles cavaleiros virtuosos
do interior que você tanto admira).
E eu
que nunca acreditei mesmo na
possibilidade da felicidade
me bastaria voltar a ser aquele que
ainda que rodeado de amigos e amantes
era senhor das suas paisagens íntimas:
aquele que era livre pra abraçar sua melancolia
sem recriminações
que podia se entregar a solidão sem ser
considerado um traidor...

Não há vida possível quando uma
orquídea que só colore sob o sol
teima em tentar crescer nos pátios frios
dum inconsolável e antigo nosferatu.

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