domingo, 13 de maio de 2012

Sodom e Amorah




(primeira nota explicativa sobre um mito bíblico: a destruição de Sodoma e Gomorra)
Eis aqui os muros instáveis de
Sodoma as esquinas nebulosas de Gomorra.
Em suas paredes de concreto úmido vou
entalhando o seu nome com as unhas até que
pela repetição
os meus dedos o esqueçam.

Observo um velho homem que
entrou ensimesmado e humilde e
agora sai acendendo um cigarro
- peito estufado –
imponente e matreiro qual um diabo do
casarão onde se perfumam os transexuais.
Sentado do outro lado da rua eu
o invejo enquanto o sal
- o castigo do deus das massas –
toma meu corpo palmo a palmo:
penso que seria um bonita escultura
salina no meio da Babilônia:
putas e malandros e poetas e moças de
família me lamberiam enquanto a
vida estivesse doce demais.

E ali no meio-fio a calcinha
dela é azul piscina: ela faz questão de
me mostrar.
Ela é linda pra caralho mas tenho
nojo de mulheres chapadas que se
sentam em calçadas e sempre desconfiei de
garotas que usam calcinhas azul piscina.
Saio de esguelha e ela comenta com a
amiga que devo ser gay.
Sorrio de canto de boca: esse equívoco é
mais comum do que ela pensa.


(segunda nota explicativa sobre um mito bíblico: a morte de Ló)
Faz frio às vezes quando o
vento ziguezagueia entre os aquedutos e
o asfalto clareia fosco sob os postes agonizantes.
A cerveja está no fim e a
rua essa hora é dos sapateadores e ladrões:
já é domingo.
A noite promete anestesia em outras
bocas: sejam elas de garrafas ou de mulheres e
o bom por aqui é que as duas contém álcool.
Outros no entanto tem suas carteiras
roubadas enquanto uns tantos destilam solidões.
Há jardins suspensos e meninas anoréxicas dançando no
limiar de seus beirais e há aquele lugar onde
o tempo petrificado me faz encontrar o
meu eu do passado (como eu era bonito e forte!).
“Meu velho tu tá acabado!” ele me diz com
a minha melancolia e com uma certa felicidade:
no fundo ele sabe (porque ele
sou eu) que só nos interessa o que se arruína.

E talvez por isso seja um alento ver
tudo desmoronar e despedaçar aqui
em Sodoma e Gomorra.
Contemplar corpos que de sal não
mais despertam desejo e se desfazem com
os murros que desferem a lembrança
dos nossos dias de apartamento.


(terceira e última nota explicativa sobre um mito bíblico: o exílio de Abraão)
É tempo de exílio.
E a saudade resiste e sobrevive a tudo.
Invencível e atemporal a saudade existe
como um deus furioso que envia seus anjos
para obliterar cidades.

Um comentário:

Joana Rabelo disse...

"É tempo de exílio.
E a saudade resiste e sobrevive a tudo..."

Que porrada!
que lindo, luis....