segunda-feira, 11 de junho de 2012

Ars Moriendi




Agora eu sei realmente que
junho chegou: a cidade aguada de
cinza e os pingos de chuva se
espedaçando no asfalto e se
chocando no pára-brisa dos automóveis.

Sentado à mesa solitária
afrontando o frio da tarde com
um copo de açaí eu assisto como
quem assiste ao cinema um
casalzinho de estudantes.
Ela contra as grades
envergonhada
tapando o rosto com as mãos
e ele
a pressionando com indiretas sussurradas
falando e abrindo os braços e se sacudindo
fingindo calma enquanto olha
fixamente pra boca da pequena.
Sei o quanto o coração deles deve
estar bombeando a todo o vapor.
Até que ela cede e eles se beijam contra
as grades na tarde da terça-feira útil.

Sorrio de banda:
não importa a idade o
xadrez é sempre o mesmo.
É a primeira vez deles e sei que
assistir aquilo é uma oportunidade
rara no desamor do subúrbio:
dois seres se desejando dentre a frieza dos prédios.

E pra um velho como eu
- cujo os dias já não suportam mais o amor –
aquilo deixa de ser cinema e
passa a ser um maravilhamento incabível.
Sentado à mesa solitária
afrontando o frio da tarde com
um copo de açaí
sinto que esse enlaçar de corpos tem
a potência e a beleza que deve ter
contemplar a morte de uma estrela.

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