segunda-feira, 29 de junho de 2009

A Lapa de Fevereiro


É no meio da madrugada,
na dissipação da embriaguez,
que as coisas perdem o sentido.
O mundo se torna mais real, mais concreto,
e portanto mais pesado.

O casarão,
os amigos na pista escura,
e eu na sacada tentando despir meus vários tipos de cansaço.
A chuva acoberta o carnaval,
e os arcos se desbotam alheios à luz laranja da Mem de Sá.
Na varanda ao meu lado pessoas chegam e saem,
enquanto eu mastigo imobilidades.

Primeiro, a moça elegante em seu vestido branco:
o céu escuro vigiando sombrio um carnaval esquisito,
os arcos e arabescos do casario antigo esvaziando os pensamentos.
Segundo, de blusa aberta, um rapaz embriagado:
os pingos espaçados e grossos,
a multidão eufórica enquadrada entre dois galhos de árvore.

Terceiro, um animado casal de lésbicas:
eu abraçado à coluna,
a mente esburacada, entregue a desvãos,
e elas me perguntando se estou triste.

Quarto, a linda morena, mais uma dor de carnaval:
a miríade de impressões flutuando entre as pessoas,
e eu me afogando no querer ser tudo,
deslizando todo em sensação no reflexo prata
das enlameadas pedras portuguesas.

E ali, pelo menos naquelas horas, eu senti um sinal do esvaecer...
senti uma espécie de desgosto de uma das coisas que mais louvo:
eu amarguei uma crise na fé que só encontro na imersão profana do carnaval...

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