sexta-feira, 3 de julho de 2009

Lembrança de Morrer

- Foi poeta – sonhou – e amou na vida.
-Álvares de Azevedo

Eu posso morrer daqui a
cinqüenta anos ou posso
morrer aqui e agora fulminado
por algum instantâneo sopro invisível
- caneta rolando no chão
poema incompleto voando pela janela –
que não me vou triste...
vou como quem vai ao mesmo
trabalho de anos
insípido como se a morte fosse
um mero fato do meu cotidiano.
Por isso meus amigos não
chorem quando eu for embora!
Porque não me vou triste e
não há nada aqui que eu lamente deixar p’ra trás
a não ser a lembrança dos sorrisos
daqueles momentos em que fomos felizes.

Comemorem a vida que eu vivi
porque pude vivê-la bem com
o que tive e conheci:
Porque nasci de um pai que era homem e
de uma mãe que era mulher e
fui levado pela mão pelos amigos e
pude conhecer a satisfação desmedida de
dançar e me embriagar com eles.

Porque me senti realmente vivo
- mas vivo que qualquer um que vive –
lutando uma vida nos
campos do amor e do desamor.

Porque pude ser um dos raros eleitos
p’ra serem donos da alegria da poesia e
porque vesti a melancolia de um
quarto nas solitárias noites de sábado e
como percebi algum tempo depois que
isso também me fez aprender a como
passar pela vida encantando as meninas
que cruzavam o meu caminho.

Porque fiz amor com a mulher que me desesperava
(e só isso já fez valer todos os dias que houveram) e
soube maravilhado da plenitude desse ato
pois são muitos os que passam por aqui
sem nunca saberem do sentido último da vida
que é conhecer aquele outro que vai lhe fazer
atear fogo em todos os seus navios.

Porque não conheci a Índia mas pude sorrir
com meus irmãos sob os arcos da Lapa e
nunca visitei os museus da França mas
pude acompanhar o Cordão do Bola Preta
cruzando a Avenida Rio Branco.

Então
talvez o respiro final seja
apenas a mesma saudade de uma despedida ou
talvez o respiro final seja
a derradeira felicidade de descobrir
que morrer não passa de mais um esforço de poesia.

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