sábado, 21 de junho de 2014

dizer não ao cotidiano, querer os dias do caixeiro viajante.
a pele incorruptível das mulheres da gávea.
aquele rosto eurocêntrico de 20 anos atrás
cindindo, hoje, a impiedade das avenidas.
o rosto, outro rosto, que envelhecerá comigo
através dos tempos burgueses.
a noite da zona sul, a neblina que não existe
dentre os prédios, invadindo as lanchonetes.
a tua voz grave me encorajando os pulsos cortados,
ou os faróis de santa rosa anoitecendo outro mundo.
a lapa (ah a rua da lapa), a cerveja, a urina
(fridas kahlos dentro da urina).
o encontro súbito, a solidão do televisor.
os cartazes dos bailes funk em madureira convidando
aos velhos crimes embebidos em álcool e vagina.
acordar cedo, a caneca de café com leite,
um artigo sobre fellini no incansável monitor.
estar em cada gesto de mão que acaricia,
de lado a lado, esta lua rubra.
derramar absurdos sobre a cidade me faria feliz.
as pastelarias encardidas, as manhãs mansas de pequim,
o toque dos dedos e dos olhos da mulher chinesa.
tão perto, mas não aqui: na distância só posso te intuir:
nas músicas que passaram, todas as outras que virão.
me perdendo em fábricas noturnas, casas abandonadas,
prédios de um século, quintais praieiros, e na geografia
errante dos teus braços.
bares de esquina, igrejas escuras sob a manhã.
a cidade a noite: um seurat de neon e led.
na cidade nada nos choca, nem a violência e
nem o amor: na cidade os dois se confundem.
as entranhas do subúrbio, vísceras do concreto mofado.
tu caminha, a pele limpa nestas calçadas sujas,
o teu cabelo num movimento pendular trazem,
como num enigma zen, saudades do que não se viveu.
mini shorts, minissaias, a brisa evola o cheiro
de sexo perfumado por urina e lycra.
helenas sob a luz de necrotério do metrô,
ou ainda sob o sol high definition de janeiro.
o anjo de klee, com sua cabeça torcida, bate suas asas
sobre estes dias do longe, e sente tristeza.
a meia luz quando anoitece, o odor lento
do piso de madeira, o tic tac do relógio incansável,
os quartos do apartamento na memória infantil.
as luzes de poeira e xenon de dentro
do teu carro pelas noites de sonho
(laranjeiras pulsa ainda que adormecendo).
blusa rasgada, barba por fazer, no bolso
alguns trocados, e teus convites querendo me
fazer bordar uma lágrima.

a vida se encurta em tempo e espaço, e eu
sou o grande charlatão, o amante,
o assassino de mim e do outro:
e este é um poema para quando não mais houver.

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