domingo, 25 de março de 2012

Cantiga d’Amigo


Estou indo trabalhar.
São seis horas da manhã e a luz
vermelha se esforçando pra existir me
lembram os velhos amanheceres da Lapa.

Ainda alvorece por lá?

O que desejam de mim aqueles arcos para
me assaltarem assim tão forte a
qualquer hora do dia e da noite?
Lembro de copos de plástico e me emociono
lembro de copos de plástico esmagados pelo
peso do silêncio
as barracas que choravam
os meus ouvidos que zuniam no primeiro frio
a cabeça dolorida de álcool.
os bares fechando
os poetas as prostitutas os bandidos os transexuais
os velhos ébrios as moças e rapazes bonitos como só ali
todos já recolhidos (em mim).

O coração ficava satisfeito.

Um ônibus ou outro triturava o meu transe
(e a minha transa) com as esquinas
triturava a quietude em seu motor
e quando tomava um deles eu já sabia:
era hora de voltar a morrer.
Tudo era eu na Rua do Riachuelo aquela
hora da manhã
tudo era eu no que era ruína no Rio Comprido.
O estofado do banco era gelado
a luz era de um cinza fino e
tudo que amei na noite acabada
vinha comigo no retorno a casa e
ficavam latejando poderosas um dia ainda
até murcharem sob o peso das horas cotidianas.

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